Carinho de Mãe

Não sei o porquê dessa sensação gostosa de andar pelas ruas, pelos parques, por um pequeno momento se sentir livre pra fazer o que vier à cabeça, vai ver é simplesmente por sermos feitos para ser livres, até que usufruímos mal dessa liberdade, terminamos persuadidos, pecamos e fomos obrigados a viver uma rotina, sermos presos. Ou então, é pela própria paisagem que podemos aproveitar ao ser livre, podemos olhar para os canteiros bem cuidados, regados e floridos, podemos com carinho apreciar o aroma de um jasmim e ver outro ser se alimentar de uma flor, podemos até ver abelhas roubando néctar que vai dar vida a o mel que vai ser servido em nossa mesa.

As flores são realmente bonitas, colocadas por Deus para embelezar o viver do humano, para gerar alimento, e até nos distrair nas horas de êxtase ao ar livre, quem dera todos nós tivéssemos dedos verdes para plantar, e deixar a cada dia o mundo mais bonito.

Embora não tivesse o dedo verde, nem muito menos tempo para perder extasiado, Romero vivia ao redor das flores e não conseguia perceber a grandeza que existiam nelas, para ele, aquelas cores que vivem, eram, na verdade, comércio, dinheiro, sustento. Romero era dono de uma floricultura, pouco sabia de flores, mas o preço de cada uma das espécies ela sabia de cor e salteado.

Não era fácil pra Romero como homem, lidar com algo tão carinhoso, tão meigo como flores, mas ele fora obrigado a isso. Aos 16 anos ele perdera sua mãe, que era a verdadeira dona da floricultura, era praticamente a própria flor, seu nome era Rosilene, mas seu merecido apelido era dona Rosa, sempre bem-humorada a mulher cuidava de cada flor com carinho único, se furava com os espinhos, mas logo ria e colocava o esparadrapo no lugar do sangue. A alegria era muito grande, até que Deus chamava de volta sua jardineira fiel, recolhera dona Rosa para regar com serenidade os lírios brancos do Paraíso.

Ao chegar no céu, dona Rosa foi convocada para regar e cuidar dos Jardins do Éden, foi um momento de graça para a senhora que cuidou com muito carinho de tudo aquilo, logo se enroscou com vários esquilos e deu risadas com os coelhos que chegaram.

Para Romero, obviamente não foi fácil, tivera que lidar com o penar de perder uma mãe jovem, e cuidar de seu pai Mário, que sofria com as consequências de um AVC, que o deixara paralisado e ainda sobrara para Romero a floricultura “Beija Flor”.

Os primeiros dias foram difíceis, lidar com tudo aquilo que mais o aterrorizava, a solidão, a falta de um aconchego, de um calor maternal, mas Deus ia sustentando aquele tronco, os dias foram passando, Romero foi se adaptando a vida de comerciante, a seiva foi chegando, em meio a uma selva de jasmins, cravos, damas da noite, rosas e begônias, ele ia gostando cada dia mais do negócio que lhe fora deixado.

O tempo passou , tudo ia bem, na medida do possível, até que o pai do garoto falece, seu Mário não aguentou mais a vida paralisado, era muita dependência para um homem que era carteiro, e dependia somente de sua boa vontade para sair de algum lugar. Mais uma vez Romero é atirado num poço de solidão, a depressão consumia o garoto.

A única forma de Romero sair dessa situação foi seu novo amor pelas flores, e assim como fizera Tarzan, ele se agarrou a cipós e se ergueu novamente, se manteve em pé, trabalhando, podando, cheirando, vendendo e regando as flores de amor, carinho e dedicação.

Com pouco tempo, a floricultura cresceu, se tornou uma das maiores da cidade, e com isso o trabalho aumentou, o número de vendas também, a clientela começou a exigir novas flores, investimentos maiores, para uma floricultura do porte da “Dona Rosa”.

Romero conseguia aos poucos contatos de fora, chegavam de caixa, as mudas de petúnias silvestres, damas da noite, rosas multicoloridas provenientes do Japão, lírios cada vez mais imaculados,e de lá de cima dona Rosilene olhava tudo aquilo com muita emoção, e rezava para que cada vez mais o garoto se apegasse às flores, mas não de um jeito material, de forma que elas fizessem realmente parte de sua vida afetiva.

Romero agora se interessava muito pelas flores, queria cada dia mais saber um pouco sobre elas, seu nome, sua espécie, seu tipo, o simbolismo que cada uma delas trazia e suas características. Seu envolvimento o levou a uma reunião de senhoras jardineiras que, com certeza, trariam mais aprendizado ao rapaz. Na reunião, Romero ouvia de tudo, de experiências catastróficas com flores carnívoras, até lindas histórias de amor que começaram com uma bonita copo-de-leite, mas o que ele mais admirava na reunião era uma bela moça, que no canto só fazia rir das histórias e enrubescia a face com um simples olhar de Romero.

Chegando ao fim a reunião, Romero foi se aproximar da moça, interessado em saber, o motivo da moça tão jovem assim como ele, se interessar tanto pelas flores. A garota se chamava Sol, uma abreviação que sua mãe lhe nomeara para Girassol, a flor preferida da mãe. Sol estava na reunião por realmente amar flores, ela tinha uma floricultura pequena, que cuidava com o maior esmero, e assim que começou a conversar com Romero sentiu um bem-estar maravilhoso, um sinal de que eles deveriam manter a relação florida.

Passado um mês, o casal estava junto, e mantinham uma linda relação, firme, serena, concisa, apaixonada, tudo aquilo que se pode querer numa relação. Depois de um ano veio a novidade, Sol estava grávida, e a partir disso Romero decidiu se casar, e a festa foi um sucesso, flores não faltavam, lindos ramalhetes de narciso amarelo pelo teto, rosas champanhe e vermelho pelo chão, tudo maravilhoso.

O nascimento da pequena Violeta teve um toque de floricultor, seu nome vem da serenidade da cor violeta, com a beleza da flor violeta, assim, a garota crescia e seus pais cuidavam muito bem da floricultura Cravo & Rosa, durante muitas conversas sobre flores, Sol descobriu um lapso no glossário de flores de seu amado, e por isso ela decidiu confrontá-lo, mas de uma forma diferente.

O dia estava normal, muito trabalho na floricultura, rosas iam e vinham, ramalhetes com papel crepom de todas as cores saíam da Cravo & Rosa, Sol e Romero trabalhavam como loucos, até que de repente, no fim do expediente chega na floricultura um buquê, algo bastante incomum.

Já rindo, Romero recebe o lindo buquê de violetas, aconchegados e rodeados por uma outra flor, uma flor singela, frágil, e que dava todo o suporte ao buquê, desconfiado Romero olhou e olhou o ramalhete, sem entender de onde vinham as flores que ele tanto olhara, e com desdém ele chutou que eram flores do campo, sua mulher retrucou e disse que estava longe disso, depois de muito o rapaz decidiu fuçar o ramalhete, em procura de alguma dica, até que ele acha um bilhete pequeno que dizia: “Essas flores delicadas, frágeis, acalentadoras, são chamadas de Carinho de Mãe, meu amor, e servem para fazer o arranjo, sua função básica é enfeitar, elas passam muitas vezes despercebidas, mas dão toda a estrutura e consistência as flores do buquê, e é assim que farei com nossa flor Violeta e nossa família, como sua mãe, Dona Rosa, queria.”

Gabriel Amorim 09/01/2013 http://devaneiospalavras.blogspot.com.br/

Gabriel Melo Amorim
Enviado por Gabriel Melo Amorim em 22/10/2013
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