Os homens
Clarice se sentou no banco de madeira, colocou o caderno no colo e olhou novamente o chefe, senhor Lins.
-Falar de homens?
-Sim, Clarice! Falar de homens! Acho que você anda muito feminista...
-Feminista?
-Sim, falando só de modas, utensílios domésticos e vaidades de mulher...- Lins foi se sentando na sua poltrona confortável, alisou a beira da mesa e olhou os olhos inquietos de Clarice, que a essas horas já não estava mais prestando atenção em muita coisa. – Calma, Clarice, não estou lhe pedindo nada impossível.
-Impossível...- Clarice suspirou a palavra, deixando-a fluir dos seus lábios vermelhos de carmim.
-Pare com isso, oras- Vociferou o homem.- Parece que está no mundo da lua!!
-Lua? ... Mas não era sobre os homens? – Clarice balançou a cabeça ao perceber a ferocidade com que era observada.- Me desculpe, senhor Lins. Me distrai com suas palavras, comecei a rabiscar umas coisas.
-Uma prova de que você precisa mudar de ares, se aventurar por outros caminhos, menina Clarice..- Lins a olhou com ternura. Apesar de ser tonta e desatenta, era um doce de menina, linda como uma flor e áspera como os espinhos, um perfeito equilíbrio. – Te mandarei a repartição onde meu filho é chefe, lá você irá observar como os homens agem e vai escrever sobre isso, entendeu?
-É mesmo necessário, senhor?
-Sim, quero uma matéria realista, não as impressões de uma feminista...
-Não sou feminista, senhor!- Ela começou a se levantar.
-Mas é mulher, o que dá no mesmo...
Clarice saiu do escritório carregando um envelope pardo, onde se encontrava um bilhete, escrito à mão, direcionado ao filho mais velho do seu chefe, João Lins. Odiou a ideia de ir a um lugar abarrotado de homens, sozinha, contando apenas com a educação e cavalheirismo desses. Prometeu mentalmente que se algo lhe ocorresse, mandaria seu pai matar senhor Lins e enterrá-lo no quintal de casa. Passou a mão nos cabelos ruivos, quase loiros e enxugou um pouco de suor da testa pequena. Era linda, com seus olhos verdes diamante, seu corpo magro e delgado, seu rosto fino e traçado a rigor. Mãos longas, dedos hábeis e unhas pintadas com afinco. Tirava suspiros até do senhor Lins, que disfarçava, mas olhava para as pernas dela, que apesar de magras, eram torneadas. Apesar de estar acostumada a trabalhar com homens, não imaginava como seria a recepção dos “águias da repartição”. Os homens com quem trabalhava, eram intelectuais, poetas, cheios de sensibilidade e tratos finos. Sabiam tratar uma mulher com o mesmo gosto com que tratavam as suas poesias. Mas o que ela encontraria num lugar famoso pelo vigor e virilidade com que se tratava de negócios? “Ogros, com certeza” disse sua voz íntima.
Arrepiou-se toda ao chegar à porta do alto prédio. O taxi a deixou as 13:00, mas ela divagou tanto, que acabou por entrar quase as 14:00. Olhou em volta, da recepção agitadíssima ao elevador abarrotado. Todo prédio era um caos. Respirou, ajeitou a pasta no ombro e resolveu seguir as tais ordens. Subiu o elevador sob o olhar “despiente” dos jovens estagiários. Depois, quando a porta se abriu, ouviu um deles comentar com um sotaque de interior: “ Mas é bonita, em...!” Ignorou e seguiu em frente, abrindo uma porta marrom, deparando-se com um verdadeiro inferno de homens vestidos em roupas sociais, telefones tocando e vozes alteradas. Quase entregou-se ao torpor, mas lembrou-se de que aquele não era lugar próprio. Procurou por uma alma que lhe pudesse ajudar, mas eles mal a olharam. Entrou despercebida, sem receber um sorrisinho ou olhar indiscreto. Parece que estava enganada, talvez os ogros fossem menos assustadores do que imaginou. Um jovem moreno veio ao seu encontro.
-O que deseja, senhora?
-Senhorita, por favor!- Ela tirou a credencial do bolso da saia.- Sou Clarice, jornalista da Tribuna, venho aqui a mando do Senhor Carlos Eduardo Lins.
-Do que se trata?- O jovem balançou a cabeça.
-Quero falar com João Lins, filho dele!
-Aguarde um minuto, vou avisá-lo.- O jovem entrou numa das portas atrás dele, onde havia gravado o número 6. Clarice suspirou e olhou em seu entorno. Era praticamente um circo cheio de homens médios, sentados em suas cadeiras de couro mal cheiroso, lendo jornais surrados e falando de política. Balançou as madeixas ruivas e levantou a sobrancelha. Seus olhos de um verde extremo, penetravam as entrelinhas daquele ambiente, despindo-o. Suspirou e olhou o pequeno relógio de pulso, já eram quase 15:00 hrs, estava com sede de café e fome de sossego. Olhou para a porta de número 6 esperando que o jovem saísse de lá com a autorização do João Lins, para que ela pudesse entrar e sentar-se, ficar em pé lhe enfadava. Não demorou muito e o rapaz saiu da sala.
-Senhor Lins irá recebê-la, dona Clarice. –Apontou a entrada da porta e Clarice seguiu a sua mão. Entrou no cubículo 4x4, onde havia apenas uma mesa, um pequeno sofá e cadeiras. Avistou o homem sentado na beira da mesa de vidro, olhos azuis, cabelos de um castanho brilhoso, aparentando 30 anos, mas com jeito de 40. Causou-lhe boa impressão, o que a fez sorrir.
-Boa tarde, Clarice- Disse com voz arrastada. – Que bons ventos a trazem a essa repartição?
-Vosso pai, ele me mandou até aqui!- Clarice sentou-se diante do rapaz.-Mandou essa carta para o senhor.
-Não me chame de senhor, não tenho idade para isso!- João estendeu a mão e alcançou a carta, passou os olhos e sorriu para Clarice.- Falar sobre os homens?Papai enlouqueceu?
-Me fiz a mesma pergunta, se me permite a sinceridade!
-Mandar uma jovem bonita como você, se me permite a intimidade, para um amontoado de homens, sozinha e sem nenhuma garantia maior, por si, já é uma enorme loucura.- João se encostou na mesa novamente.-Agora, pedir para você falar sobre os homens, já passa dos limites.
-Coisas do senhor Lins, ele quer que a reportagem seja natural, não um fruto da minha imaginação, segundo ele, feminista.- Clarice estendeu um sorriso ao rapaz que a observava com despudorado desejo.
-Clarice...-João a olhou.- O que posso dizer? Se meu pai pediu, só me resta permitir.
Continua...