PROMESSA



PROMESSA

Miguel Carqueija


Querida Pierina:

Sei que é uma boneca da Trol, de cabelos louros, fita vermelha, vestido de jardineira azul quadriculado e sapatos com fivela e meia; e que só te chamo de Pierina, igual a todas as outras Pierinas da Trol, porque achei teu nome tão bonito que não te quis dar outro. Contudo, Pierina querida, és agora minha única verdadeira amiga.
E por que isso? Eu tinha, por exemplo, uma grande amiga chamada Valéria. Sempre brincávamos juntas, no quintal da casa dela ou no meu. Um dia, porém, eu fui chamá-la para brincar e bati na sua porta. A mãe dela veio atender e me disse que Valéria não podia sair naquela hora.
— Mas por que? — perguntei, espantada. Estaria minha amiguinha, doente?
A resposta me estarreceu:
— Ela está vendo televisão.
Antes, não havia televisão na casa de minha amiga. Agora, o mesmo fenômeno que roubara as outras crianças que eu conhecia, aprisionando-as dentro de casa, chegara até Valéria.
Eu nunca mais sequer tornei a vê-la. Não somos da mesma escola.
A mim bastava uma amiga! Mas, esse monstro que invade os lares levou-me até a Valéria. Não há mais crianças brincando na minha rua. Agora, se não estão dormindo ou na escola, estão vendo tv, seja qual for o programa, todas as horas restantes.
Papai e mamãe dizem que vão comprar também uma televisão. Isso quer dizer que eles vão entrar para o clube dos telespectadores, que não se reúnem com os amigos, que não têm mais amigos, pois o tempo é curto para ver os programas.
E eu, ficarei assim também?
Não, Pierina, eu prometo que não. Mesmo que sejas apenas uma boneca, que mexe os olhos e as pernas mas não fala, não vou te abandonar pelo bang-bang e pela novela. Leremos livros, resistiremos as duas, só veremos na tv o que nos interessar; e um dia encontraremos quem pensa como nós, e saberemos que valeu a pena resistir.


Nota: esta história se passa nos tempos da televisão, mas antes da internet e dos jogos de computador. No começo, portanto, do fenômeno da alienação pelo audio-visual.