O VELÓRIO DO CORONEL
                                                    
Este cheiro de vela me deixa enojado. Faz-me lembrar de outros velórios. Já vi muitos. Mas o das gêmeas foi o pior. Além da culpa que me perseguia. Os únicos olhos que não me acusavam eram os delas, fechados. Os demais, nem se preocupavam em disfarçar. E tinham razão. Minhas irmãs eram as princesinhas da nossa casa. Estavam com quatorze anos, alegres e festeiras. Eu não queria levá-las à festa de quinze anos. Tinha ciúmes. Eram lindas, com as faces rosadas e os castanhos cabelos encaracolados, sapecas e divertidas.
 
Fui bebendo. Os risos, a dança, as brincadeiras. Quando meu colega de faculdade começou a arrastar as asas para Gislene, não aguentei. Puxei-a pelo braço em direção ao carro. Rosane correu atrás. Empurrei ambas para dentro e saí em disparada.
 
Bartolomeu parece dormir. Não tenho remorsos. Viveu me atormentando pela morte das irmãs. E quando mamãe se suicidou, não suportando a perda das filhas, armou-se de revólver e tentou me matar. Nunca o perdoei. Nem mesmo agora, que está esticado no caixão farei isto. Já não era bastante o meu sofrimento?
 
Quando Sílvia, a segunda esposa dele, me deu chance, vinguei-me. Espero que os cornos não atrapalhem quando forem fechar o caixão.
 
Ela finge muito bem. Quando passar um tempo, realizarei seu sonho de uma viagem a Buenos Aires. E levarei nosso filho. Fico com pena do Duda. Adorava o pai. Na verdade, o tio. Pobre garoto. Tenho vontade de abraçá-lo e dizer: não chore, filho, estou aqui, sou teu pai. Ainda bem que gosta de mim. Procurei cercá-lo de carinho. Não vejo hora de desfazer esta farsa.
 
Fomos perfeitos. Ninguém irá desconfiar. Aqui por estas bambas somente tem o Dr. Jovino. Já atestou ataque cardíaco. Precisamos ter só um pouco mais de paciência. Logo poderemos anunciar nosso amor. Seremos uma família. Meu pequeno Duda.
 
Estes rostos consternados, lágrimas e lágrimas. Fingidos. Bando de hipócritas. Todos tinham motivos para fazer o que fiz. Cretinos. Covardes. Pena que não posso gritar-lhes na cara meu feito. Iriam me agradecer. Agora as coisas vão mudar. Poderemos ser felizes, livres do jugo do coronel. Enquanto tiver se remoendo nos quintos do inferno, darei risadas. Por ora, preciso chorar.
 
O caixão está sendo fechado. Vou fazer uma cena. Afinal, era meu único irmão.     


 
MADAGLOR DE OLIVEIRA
Enviado por MADAGLOR DE OLIVEIRA em 17/10/2013
Reeditado em 19/10/2013
Código do texto: T4529727
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