Guilherme
Pernas cruzadas, olhar distante e aura pensativa. Debra se encontrava assim, sentada em uma cadeira que parecia destoar do resto dos acentos presentes no cômodo, assim como a própria Debra destoava daquele ambiente. No chão, textos soltos, rabiscos revoltosos e canetas espalhadas e simetricamente organizadas por cor. A ponta de um dos chinelos de Debra, batia sistematicamente em uma das folhas, onde estava escrito um nome: Guilherme, com letras garrafais e imprensais da máquina de escrever. Mas quem era Guilherme? Podem querer saber os curiosos leitores. Pois, a própria Debra lhes satisfará a curiosidade. “Guilherme é um grito, Guilherme é um momento, um toque e uma sensação. Guilherme foi o único homem que me despertou a mulher dentro da menina, e nem usou as mãos para tal, apenas os olhos” Era o que estava escrito no papel, que agora jazia no tapete do espaçoso apartamento que dava para o mar, que, aliás, imprimia ao ambiente uma solidão solene e estúpida, já que a casa estava cercada de gente. Havia gente em todo canto, havia gente no quarto, Steven estava deitado na cama do casal, lendo seu livro de Herman Hesse e fumando seu cachimbo. Gutinho estava dormindo, ou quase, pois ainda tinha dúvidas acerca da existência ou não do bicho papão do armário. Luiza dormia tranquila no berço de araribá rosa, rodeada por um mosqueteiro alvo, tão alvo quanto suas lindas bochechas. Luiz, o filho mais velho, lia escondido embaixo dos lençóis de linho puríssimo, trazidos do Egito pelo seu avô. A casa inteira, de certa forma, dormia. Mas Debra estava acordada, consumindo seu nenhum sono com lembranças de um homem, cujo nome era Guilherme. “Guilherme” balbuciava ela ao lembrar-se de algum fugidio momento ao lado dele. Debra estava assim, tão absorta nas suas lembranças, que mal notara que Steven a estava olhando, com seu bigode seriíssimo e sua tez pálida. Ele a olhava com dor, olhava-a com a dor de quem ama e não tem o amor correspondido. Olhava-a com a dor de quem espera num raio qualquer de segundo, perceber nos olhos do perscrutado, algum resquício de sentimento. Steven amava Debra, construíra com ela toda uma vida. Tinham três lindos filhos e um a ser fabricado, pois queria pelo menos outra menina para alegrar o quartel general dos “machos” . Tinham uma casa linda, muito bem gerida por ela. Tinham um belo e pomposo patrimônio, tinham nome, tinham berço e tinham um ao outro. Mas, no meio de tantos teres, faltou o ter mais significativo. Esse sumira no instante em que Guilherme, o jovem e belo cunhado de Debra, numa noite insana de dezembro, na casa da família nobre e tradicional dos Ribeiro, a chamou para uma dança. No encontro dos dois corpos, uma troca de olhares amena e quase despretensiosa, um toque no ombro, um enlace na cintura, sob o olhar vigilante de Steven, amuadíssimo por não ter sido o primeiro a tirar a amada para dança, algo aconteceu. Guilherme roçou sua barba por nascer no esguio pescoço de Debra . Ela ruborizou e apertou mais o ombro magro do rapaz, fazendo-o trazê-la mais ao seu contato, apertando sua fina cintura, que nem parecia pertencer a mãe de duas crianças, pois a pequena Luiza ainda era um projeto. Dançavam ao som elegante e rouco de Elvis, cantando uma de suas mais belas canções, Love me Tender. Rodavam na sala enorme da casa colonial, rodavam, sentindo o perfume um do outro. Debra sabia que Guilherme nutria por ela um sentimento, mas não sabia que ela também, de certo modo, o correspondia. Então, caros leitores, vocês devem está a se inquirir: Então porque não se casou com ele? Ora, a culpa foi do Luiz, do acidental Luiz. Num descuido de adolescentes, entre um amasso e outro, uma mão e outra, Steven acabou por iniciar Debra nas artes melodramáticas do amor carnal. Meses depois do incidente, Luiz começou a dar sinais de existência. Tudo se fez muito rápido. Os Ribeiro, para esconder a desonra, trataram de inventar uma desculpa qualquer e casaram Steven com Debra. Um casamento sem muitas pompas e quase nenhuma circunstancia. Pois está ai o motivo pelo qual a jovem Debra não casou-se com o formoso Guilherme. Mas nunca deixaram de se gostar. Dizem, inclusive, que o Gutinho, que se chama Guilherme, por sinal, é filho de um incidente clandestino, ocorrido entre sua mãe e o seu tio. Se verdade ou se mentira, o fato é que Steven registrou o menino e até aceitou que se prestasse homenagem ao irmão. O menino, Gutinho, apelidado desse modo por convenção geral, tem todos os trejeitos do possível progenitor. As sobrancelhas finas, os olhos penetrantes e suaves, capazes de despir. As mãos longas, dedos macios. O mesmo modo de sorrir e de sentar-se despreocupado com os modos. Os cabelos semi lisos, caídos ondulados no pescoço curto. Lindo menino, que só tem de Steven as bochechas rechonchudas e a palidez quase cemiterial. Debra o ama com força especial. Dar-lhe tudo, de beijos a mimos. Steven desconfia de tanto querer, acha mesmo que as más línguas tenham razão, mas nada diz. Debra, suspirosa e sonhadora, notara de relance o bigodudo Steven, que cheirava a sumo de fumo, olhando-a. “ Que diabos pode querer?” . Levantou a sua expressiva e desconcertante sobrancelha, bateu com as pontas dos dedos na mesa e respirou com profundidade.
-Algum problema, Steven!?- Sua voz dilacerante e rouca ecoou pelo cômodo meio iluminado.
-Senti saudades de você na nossa cama, vim ver o porquê da demora!- Respondeu suave.
-Já estou indo- Levantou seca e caminhou sobre os papeis.- Deixe-me terminar com esses papeis.
-Debra...- Sussurrou baixo.- Deixe-me ajudá-la.
-Não!- Falou com firmeza e afasto-o- Faço isso sozinha, você pode deixar cair fumo sobre os papeis.
-Está bem, estarei esperando você...- Seguiu para o quarto e trancou a porta atrás de si. Pobre Steven sabia-se não amado, mas mesmo assim, sem ser correspondido, queria bem a ela. Amava-a, desejava-a e nem se incomodava quando ela confundia seu nome e, durante o ápice do enlace carnal, suspirava ofegante o nome do seu irmão. Ela amava Guilherme. Mas só descobriu isso na noite da dança, quando os viu tão perto e percebeu quão belo ficavam quando juntos. Até os nomes soavam bem, Debra e Guilherme. Steven resignou-se, deitou em seu lado da cama e esperou que o outro lado pesa-se. Debra havia se deitado, ela estava ao seu lado, com sua camisola de seda branca e seu perfume suave de alfazema. Os lindos cabelos castanhos exalavam odores excitantes, mas ele não se atrevia a tocá-los. Steve fechou os olhos, passou as pontas dos dedos no bigode negro e sonhou, sonhou um sonho em que ele era Guilherme e Debra o amava.