Fênix

Não dá pra negar: aquele era um desgraçado que gostava de fazer surpresa. Do tipo que apareceria na sua porta à noite, debaixo de chuva, com um buquê de tulipas fora de época, só por saber que você teve um dia ruim e gostava de tulipas. Inusitado. Quase desnecessário. Dava-se aos exageros em tudo que fazia. E lembro bem que só não exagerou mais por que, acima de tudo, excedia-se na procrastinação. Não que fosse preguiçoso, talvez apenas desmotivado. Entre a depressão e a obsessão, assim era como eu me lembrava de sua personalidade.

Certa vez, por exemplo, desapareceu por seis meses. O que não era incomum, diga-se de passagem. Porém, ninguém esperava que voltasse 30 kg mais magro, cheio de tatuagens e falando um alemão tão incompreensível que ainda acredito ter sido criação dele mesmo. Seu rosto era feliz quando voltou. Sempre sorrindo, estava mais calmo, mais positivo, era quase outra pessoa. Apesar de ter emagrecido tão radicalmente, foi a inexistência das densas olheiras a razão pela qual ninguém o reconheceu quando apareceu lá no bar do Zé.

E esse foi ele por meses. Era assustadora a transformação. Deixou de fazer as costumeiras surpresas, como se agora elas soassem como gritos por ajuda, por atenção. Não precisava mais disso. Todo mundo do pessoal pensava a mesma coisa. E foi só há poucos dias que ele nos surpreendeu de novo. Até ouso dizer que toda aquela metamorfose tenha sido, de fato, seu último pedido de socorro. O mais desesperado de todos. E ninguém entendeu. E ninguém nunca entenderá. Saiu à francesa. Um bilhete simples mas eficaz. "Obrigado!"

De qualquer forma, agora é tarde pra ficar se questionando ou procurando culpados. Eu sei bem que ele pensou muito antes de decidir ir até o fim. Nunca será julgado, não por mim. Não depois de vê-lo transformado. Feliz, naturalmente. E eu sei que ele riria comigo se ouvisse meus pensamentos agora. Às vezes as ideias vem no momento mais inoportuno possível. Uma ironia que beira a futilidade. Carregando o desgraçado no ombro, só consigo pensar uma coisa. Ainda bem que ele perdeu aqueles 30 kg!