O VOO DOS CANÁRIOS
Fui para São Paulo e por lá terminei brigando, muito chateado decidi voltar para Brasília. Como havia planejado uma semana sem trabalho, então parei em uma cidade no sul de Minas, uma cidade bonita, bem arrumada, povo hospitaleiro, um prato cheio para quem precisa de descanso. Vou ficar uns três dias, depois seguirei meu rumo com a cabeça fria e sem rancor no coração, pensei.
Escolhi um hotel antigo, porém, aconchegante e com funcionários maravilhosos, coisa de mineiro honesto. Não podia dar um passo pela recepção que logo me perguntavam se eu procurava algo, se precisava de alguma coisa. Nossa, que povo bão, gente trabalhadora e acolhedora. Dei umas voltas pela pequena cidade e logo conheci tudo, café com leite e pão de queijo era o que mais tinha, e eu me esbaldando fazendo crescer a barriga.
Como cheguei na cidade por volta das 13h, logo entrei no hotel, conheci a cidade e ao final da tarde fiz minha corrida diária, cedo fui pra cama tentar esquecer a noite anterior, uma noite de contendas, sem dormir direito. O dia amanheceu, era tanto pássaro cantando que acordei, acordei antes das 6h, o que é raro, já que costumo acordar às 6h, com o celular me chamando para meu compromisso de fé com Deus. Dia lindo, e os pássaros não davam trégua, era canto para todos os gostos.
Após meu ritual de fé, tomei banho, deitei novamente e depois fui tomar café. Uma mesa cheia me esperava, a forma engraçada como eles arrumam as mesas, cada mesa é para um apartamento, a minha havia tanta coisa que brinquei perguntando se eles arrumavam conforme o tamanho da barriga do cliente, arranquei um baita de um sorriso dos presentes. Sentei e comecei a degustar as delícias postas. Mas algo me chamou atenção, ao lado da cozinha havia uma porta que dava para área externa e de lá vinham vários cantos de pássaros, intrigado perguntei se lá havia árvores frutíferas? Me responderam que não, nenhuma árvore.
Insisti no diálogo, se não tem árvore de onde vem tanto canto de passarinhos? Seu Freitas me respondeu que eram da sua criação em gaiolas, cativeiro. Gentilmente me convidou para ir conhecer. Eram quatro gaiolas, com vários passarinhos, na sua totalidade canários. Cheguei perto e ele foi mostrando, inclusive,apontando macho e fêmea. Fiquei maravilhado com as espécies que Deus nós presenteou, porém, chocado por vê-los presos naquele diminuto espaço. Disfarcei minha decepção e retornei ao restaurante.
Durante o dia todo não tive paz pensando naqueles pássaros, que bicho é esse tal de ser humano que prende os outros para o seu prazer? Será que ele não tem noção do mal que ele faz aos bichos indefesos? Durante a tarde e noite cheguei a conclusão que falaria com ele sobre isso, e iria sugerir a ele que pagaria pela liberdade dos passarinhos. Mas fiquei preocupado em ofendê-lo, e se ele tivesse algum problema com minha proposta? Então buscava uma solução para o impasse, considerando que não teria paz lembrando daqueles passarinhos lindos, mas presos.
O dia amanheceu, logo fui tomar café, novamente os cantos vindos da aérea externa me faziam querer chorar, era como se socorro eles estivessem pedindo - me soltem, não sou criminoso, deixe-me voar, para isso Deus me fez - não suportando mais, chamei seu Freitas e perguntei se algum dia na vida ele havia sido preso? Ele sorrindo disse que não! Perguntei então se ele já havia visitado alguém preso? Novamente respondeu que não! E me perguntou o porquê das perguntas? Respondi que era apenas curiosidade. Naquele momento tive a certeza do que faria, e fiz. Fui ao comércio local e comprei um senhor alicate, lá pelas tantas da noite, fui até o local dos pássaros e soltei todos, depois destruí as gaiolas, todas elas. Na manhã seguinte, com a mala pronta fui tomar café, todos comentavam a destruição das gaiolas, não dei nem conversa pra ninguém, tomei apenas um café com leite e parti. O mais incrível era que todos comentavam a destruição das gaiolas, mas nenhuma palavra na liberdade, no voo dos canários.