CORAÇÃO DE MENINA
CORAÇÃO DE MENINA
Ironi Lírio
- Quero ser grande! - Gritava a menina. - Quero crescer bonita e inteligente como a mamãe.
Dona Guida (Margarida), a mãe da menina, era uma mulher guerreira como a maioria das outras mulheres que, cada uma a seu modo, vive a luta diária com dificuldades, mas não abandona o posto.
Com quatro filhos pequenos, Dona Guida morava com a família em uma pequena casa de quarto e cozinha na periferia da cidade.
Quando saía de manhãzinha, deixava os filhos na creche mais próxima e se dirigia ao local de trabalho. Era rua de comércio ambulante onde vendia pacotinhos de alho por um real o pacote.
Acordava bem cedo, pois arrumar todo mundo não era tarefa fácil. Ainda no escuro fazia o café, trocava as crianças e dava banho no menorzinho que sempre acordava molhado da urina noturna. Em menos de uma hora estavam todos no ponto de ônibus.
Dona Guida vivia sonolenta, mas os goles de café e a força divina lhe davam forças para aguentar a jornada do dia. Quando voltavam à noitinha, Dona Guida preparava os pacotes de alho para o dia seguinte enquanto dava uma espiadinha na novela das sete, ao mesmo tempo em que fazia o jantar e gritava para as crianças não demorarem no banho.
- Olha a conta de luz; gritava apavorada; saiam daí!
Naquele mês quase ficaram no escuro. Já estava completando dois meses sem o pagamento da conta e a companhia de energia elétrica não queria esperar nem mais um dia. Dona Guida precisava vender quase cem pacotinhos em um dia para liquidar as contas atrasadas. Por sorte, era mês de Dezembro e as pessoas com os bolsos cheios do décimo terceiro não pensaram duas vezes em gastá-lo. Compraram de tudo sem reclamar inclusive os alhos da Dona Guida. Que sufoco!
Quer saber do marido? O marido estava fora de casa há mais de um ano. Tinha saído de casa com a promessa de conseguir trabalho em uma promissora companhia e, desde então, a mulher e as crianças ficaram sozinhas. Às vezes, a Dona Guida conseguia alguma notícia do marido através de um primo distante. Enviava-lhe cartas, mas nunca recebia respostas.
A menina pequena acompanhava os passos da mãe. Era a primeira a acordar. Chamava os irmãos pulando em cima da cama e retirando à força o único cobertor que cobria a molecada. Não se importava com os protestos. Seu sangue feminino era forte e guerreiro. E por toda mulher ter uma intuição nata, sabia que se não andassem logo chegariam atrasados no único ponto de ônibus que vivia lotado de gente. Seria quase impossível entrar no coletivo. O empurra, empurra jogava as pessoas ou para dentro ou para fora do ônibus. Muitas vezes eram jogados para fora.
E no final de semana, quando a mãe enfrentava o tanque de roupas, a menina calçava uma sandália surrada bem maior que os seus pezinhos e desfilava com eles pela casa humilde como se ali fosse um bonito palácio.
- Quero ser grande, mamãe! Quero ser aquela cantora de sucesso. Quero ser a apresentadora do programa infantil que tem casa bonita como a dos filmes na TV. Quero ser a moça da novela que se casa com o moço rico. Quanto falta pra eu crescer, mamãe?
A mãe que sorria admirando os trejeitos da filha, explicando quanto tempo levaria para que ela se casasse com o moço rico da novela.
- Tudo isso, mamãe? – Reclamou a menina sem saber ao certo o que significava muito tempo.
- Então, como ainda vai demorar, quero ser como você, que é a moça rica desta casa e a princesa do meu pai que logo chegará para nos levar com ele ao seu palácio.
E a mãe voltou a sorrir ao ver a filha admirando uma velha carteira cheia de trocados. Fruto das poucas vendas que fizera no dia anterior.
- Olha mamãe, quanto dinheiro você tem! Nem consigo fechar a sua carteira; está cheia demais, você é rica!
E só restou à mãe continuar sorrindo, enquanto enfrentava o seu rico tanque de lavar roupas admirando a inocência da menina e dando uma espiadinha no programa de domingo, ao mesmo tempo em que ficava de olho no almoço para não queimar a rica refeição que teriam naquele dia. Rica com certeza! De tudo de bom que só um coração inocente de menina pode trazer.
Fim