Folhetim

Maysa entreabriu os olhos, o sol de fim de tarde refletia em sua face pálida e lhe incomodava. Estava deitada no chão, rodeada de fotos e garrafas vazias de alguma bebida, talvez cerveja. Seu apartamento cheirava a vazio e a certa angustia que aumentava consideravelmente por causa da música italiana que tocava no velho rádio encostado em algum lugar da sala. Ela revirou-se em meio aos retratos rasgados e agarrou um que ficou preso em seu braço; olhou o rosto sorridente e teve vontade de chorar e de triturar aquele belo rosto em milhões de pedaços, mas como não podia, resolveu rasgar a foto, e fez isso com a paciência e meticulosidade de quem gosta de apreciar uma tortura. Sentou-se, agarrou-se aos próprios joelhos e depois de derramar milhares de lágrimas, resolveu que era hora de reergue-se. A depressão não o traria de volta, também não mataria a vadia que o havia tomado. Levantou-se resoluta, pisou com altivez nas fotografias e sentiu-se muito mais viva por poder despreza-lo, nem que fosse em sua imaginação. Lavou o rosto na pia do banheiro e olhou-se de relance no espelho, estava horrível. Maquiagem borrada, cabelos desgrenhados e marcas de suas próprias unhas na face abatida. Como podia está tão deprimida por causa dele? Era uma mulher tão bonita e independente, mas estava ali, angustiada e traída diante do espelho. Se não fosse trágico, seria filosófico. Sorriu para si mesma e continuou a livrar-se da máscara de dor que não lhe caia nada bem. Precisava voltar a ser ela, voltar a ser quem sempre fora. Desde que conhecerá Mauricio, abandonou tudo que lhe fazia livre e prendeu-se a essa vida que ela considerava perfeita. Dormir e acordar ao lado do homem da sua vida, fazer-lhe o café da manha e dar-lhe seu amor mais puro e intenso. Ledo engano o seu, ele não queria um casamento, como ela imaginara, ele queria alguém que sustentasse suas aventuras. Era um boêmio, procurava nas noites badaladas do Rio de Janeiro alguém que caísse nas suas conversas de escritor mal sucedido. Citava algumas frases de Shekspeare e achava-se no direito de dizer que escrevia melhor do que ele. Era o tipo bonito e charmoso, que conquistava as mulheres com seu cheiro de charuto barato e sua falsa modéstia de herói decaído. O conheceu num barzinho da lapa, olho-o e logo se apaixonou. Apaixonar-se, esse foi o seu erro. Não era do tipo que se prendia a ninguém, gostava de ter todos que pudesse. A ideia de pertencer a apenas um lhe arrepiava a espinha dorsal. Mas Maurício conseguiu a incrível façanha de conquistá-la. Chamou-a de pérola, por causa do significado do seu nome, pérola alva. Chamou-a para dançar e ensinou-lhe passos de tango, disse que era a dança dos apaixonados. Depois lhe contou mais uma meia dúzia de mentiras e o resto não lhe custou muito trabalho. Levou-a para seu apartamento e, como bom cavalheiro que se mostrou ser, ofereceu-lhe sua cama. Ela, de exausta que estava, aceitou sem muitos protestos. O que não previa, ou previu, mas preferiu disfarçar, é que, junto com a cama, viria ele. Depois dessa noite, várias outras se seguiram, sempre na mesma linha, tango, cansaço e empréstimo da cama e do ombro para servir de travesseiro. Quando piscou os olhos, ele já estava instalado em seu apartamento, dividindo seu armário de roupas e enchendo seu banheiro de creme pós-barba. Ter um homem em casa lhe assustou de início, mas a agradou no fim das contas. Passaram-se dias, passaram-se meses e quando se findou o primeiro ano, ela encontrou uma marca de batom na camisa que ela lhe havia dado de presente de dia dos namorados. Fez um escândalo e mando-o embora. Ele foi, mas voltou com a desculpa de que não saberia viver sem ela. Acabou por deixá-lo voltar, mas o fez prometer que não faria mais o que fez. Mas Maurício não era do tipo que cumpria promessas e aprontou mais uma e mais uma e tantas mais, que ela resolveu mandá-lo embora de uma vez. Era por isso que estava ali, sentada no chão do banheiro, triste e com raiva de si mesma. “Levante-se Maysa”. Uma voz lhe soou no ouvido. E ela fez. Levantou-se do chão, tomou um banho gelado, curou a ressaca, maquiou a bela face e vestiu o melhor vestido que encontrou. Olhou uma vez mais para as fotos... e saiu. Foi para a noite em busca de alguém que lhe desse algum consolo, mas não queria compromissos. A partir de agora, viveria a aventura do amor sem alma, sem profundidade. Aceitaria o que lhe oferecessem, em troca, daria seu corpo, daria seu ombro e, no dia seguinte, apresentaria a porta do seu apartamento. Tudo terminaria ali, no atravessar da porta e na despedida bocejante. Quanto a Maurício... Era página virada, descartada do seu folhetim.

Carol S Antunes
Enviado por Carol S Antunes em 12/10/2013
Código do texto: T4522246
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2013. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.