Fatos Cotidianos 33 - Uma noite qualquer no paraíso
Um corpo cambaleante entrou no bar. Dois passos adentro e todos olhavam com repugnância. Além da aparência degradante, um cheiro azedo tomou conta do lugar. O aroma apontava para um ser estranho indo na direção do balcão. Pereba parou na bancada e olhou para o lado. “Vocês me parecem um bando de merda.” Todo mundo voltou a falar, uns xingavam e outros reclamavam entre si. O Jaime parou na frente dele com cara de mau-humorado. “Aqui tem rabo-de-galo?” Copo e bebidas na mão. “Pagamento adiantado.” Uma nota de dez saiu do bolso da calça caindo. “Isso paga dois.” “Dá meu troco seu miserável.”
Pereba pegou o copo e deu uma perambulada pelo ambiente. “Alguém tem maconha para vender aqui?”, gritou. Sem resposta. “Ninguém aqui tem uma porra de um baseado?!” Não mudou nada. Acendeu um cigarro e sentou. Colocou o copo vazio no Balcão. O Jaime encheu de novo. “Pare de gritar merdas no meu bar!”, comentou o dono do boteco. “Só quero uma pontinha”, respondeu Pereba, “é triste viver num mundo onde um homem bom não pode fumar um baseado”, finalizou. “Este mundo é uma merda. Você não é um homem bom. E ninguém vai avacalhar o-meu-bar!” Jaime colocou uma cartucheira em cima da mesa e olhou na cara do cidadão com ódio. Tomou o último gole, virou as costas e saiu andando.
Quando pisou na calçada uma viatura encostou ao seu lado com o barulho da sirene. Não perdeu o ritmo ou esperou. “Nem mais uma passo aí Pereba”. Fechou os olhos e respirou fundo. “Sgt. Madureira! É sempre um prazer encontrar o senhor zelando pelas ruas na noite.” O policial veio na sua direção pronto para matar uma barata com uma patada violenta. Então deu com o cassetete nas costas de Pereba. “Quantas vezes já te disse: não vá incomodar as senhoras na sorveteria. Você não consegue apenas não incomodar?!” Outra cacetada. “Sempre te escuto Sargento. Fui mal interpretado. Só queria um sorvete. Ia pagar.” Pereba gemia no chão de frio e dor. “Fique no seu esgoto. Não vá para o outro lado da cidade!”
Os primeiros raios de sol da manhã tinham o efeito de um socador de carne na cabeça de Pereba. Levantou do chão e saiu andando em zigue-zague. Tomou um copo de água e um café na padaria. Então seguiu para a obra. Chegou mais cedo que qualquer outro. Comeu dois pães e tomou mais café no contêiner cozinha. Pegou ferramentas, o capacete, e começou a bater cimento. Dois de areia, um de cimento, água! Gira, gira, gira o misturador. Derramar no carrinho e levar para a fundação da viga principal. Pereba não suava, desidratava. Com o passar do tempo a tremedeira e a completa desorientação dos sentidos era indisfarçável. O sinal do almoço soou como as trombetas do paraíso.
Sem nenhuma cerimônia Pereba subiu na lage do segundo piso e esparramou num canto com pouca luz. Já eram cinco horas quando retomou a consciência. Levantou com mais dores do que lembrava ter quando deitou. A obra estava praticamente vazia. Depois de passar por alguns risos e olhares de desconfiança chegou ao contêiner administrativo. “Aonde você esteve a tarde inteira? Não vou te pagar nada. Você que devia me pagar pelo café da manhã.”, disse o mestre de obras. “Me paga pelo menos meio dia seu velho sovina!”, retrucou Pereba. O mestre de obras pegou uma nota de vinte no caixa e deu para ele. “Têm um adicional aí para você não vir amanhã.” “Vai para o inferno seu filha da puta.”