Minhas raizes
Do alto do morro eu posso contemplar todo o vale espalhado lá em baixo, e os matizes do verde se confundem em vários tons, e eu me lembro do "verde-verdinho", que minha mãe usava para designar a sua cor predileta - vou lhe fazer um vestidinho verde, verdinho - e até parecia rima de verso o que ela falava, eu ria, antegozando o prazer do vestidinho novo.Hoje, mamãe dorme tranquila sobre a relva verde , verdinha, do cemitério do vale.Meus olhos ardem de emoção pois, contemplo toda a minha meninice passada ali, agora, que eu chego de longe, marcada pelos lugares sem paz que passei.
Eu sou, agora, aquela menina de pernas finas e cabelos encaracolados, tão alegre e feliz.Eu tenho, o melhor, eu tive , um gato amarelo de nome engraçado para um bichano - Carambola , quando ele nasceu de tão gordinho e amarelo, me pareceu uma carambola madura, caindo do pé.Ele foi o meu grande companheiro de brincadeiras,só não aceitava mesmo era entrar no rio para um banho gelado, fóra disso, ele topava tudo, fazendo um ruido engraçado e dando cabriolas malucas.Meu querido gatinho , símbolo da minha infância perdida.Não tive irmãos ,nem irmãs, fui filha única ,tirada a força do ventre da minha mãe, fui filha sem pai, que ele partiu antes de eu ser parida.Vovô costumava falar que, por pouco, minha mãe não foi "figueira seca", e que meu pai, era um bode sem rumo, fugindo de todas as responsabilidades.Não pude conhecer ninguem das parte dele, e por isso só me restou da sua banda, só eu mesma.Do lado da minha mãe, eu tive vô, vó, tios e tias, só duas, que cedo se foram desse mundo de Deus.Contavam que elas sempre foram magrinhas como eu e de poucas forças, coisa essa que já não combinava comigo, e por isso, eu vinguei muito bem.Minha mãe foi bonitona, de pele bem clarinha e fornida de carnes, porem, essa belezura toda não ajudou a encontrar um bom homem que a amasse realmente.Falavam que ela foi só do meu pai, o "bode sem rumo"eu porem, não posso afirmar nada.Meus cabelos encaracolados foi a melhor coisa que o meu pai me legou,fora a vida está claro.
Fui tão arteira que, até hoje, trago algumas marcas espalhadas pelo corpo e elas, ficaram como lembranças dos meus belos tempos de liberdade.Fui menina de muito riso e pouco siso.Das minhas marcas a que eu mais gosto é a da mãe da catapora, do lado da minha bochecha, e, muitas vezes eu a escureci com lápis para preto para realçar ainda mais.Foi uma bela vida que eu passei aqui.Quando eu tinha , mais ou menos, uns l0 anos, aprendi a montar na única montaria que tivemos, o Mulambo, um cavalo tão feio que recebeu esse nome.Que o chamou assim, foi o meu tio Julio, tenho saudades desse tio, que tocava viola tão bem.Era um moço muito bonito, mas foi embora cedo e nunca mais voltou.Lembro muito do vô, ele durou toda a minha infância, porem, sem aviso prévio começou a sentir uma coisa diferente nos peitos, e, como um passarinho batendo as asas de leve, se foi.
Na hora certa, fui botando corpo, os braços e os gambitos foram engrossando e , mamãe falava que eu perecia uma flor se abrindo, e eu ficava matutando que flor que queria parecer.Acabei, depois de muito pensar, escolhendo a cravina, já que muitas dessas flores nasciam generosamente no nosso jardim.Meu nome é Carmelita,mas, quando me chamavam eu gostava de responder:Cravina atendendo...não que eu achasse esse nome bonito, mas eu era uma criança flor.Teve um dia na minha garotice que eu não esqueço,quando caiu uma chuvarada das mais fortes;Até que o dia tinha amanhecido bonito, não havia vento, nem muitas nuvens.
.No campo o gado pastava tranquilo, mamãe parecia até mais feliz cantando enquanto lavava a nossa roupa,a música falava de amor e despedidas, talvez ela estivesse recordando o seu homem fujão de quem só restara eu para esquentar sua cama, eu com medo de fantasmas e ela, talvez, para acalentar sua alma triste.Vó parecia preocupada com tanta calmaria, e ia todas hora espiar o tempo lá fora.Vô ainda era vivo por essa época, e balançado na rede, fingia dormir, mas ele estava bem alerta.Foi depois do almoço que, para os lados desse morro que eu me encontro agora, que nuvens grossas e escuras vieram chegando de vagar, com elas um vento frio, que foi tomando corpo e começou a percorrer os corredores de nossa valha casa, assobiando como moleque peralta.Com medo fomos nos abrigar perto do altarzinho que ficava no ponto mais nobre da casa, entre duas jenelonas de vidro colorido, cuja a luz do sol costumava lançar manchas no assoalho de tabus corridas da grande sala.Naquele dia, porem só havia sombras.O povo da casa , reunido, começou a rezar.As janelas foram todas fehcadas e o gado reunido , tudo preparado para o tempo brabo que vinha.
Logo ficou escuro como se já fosse noite.Os lampeões foram acessos , e as velas no altar pareciam lançar sombras fantâsticas na parede caiada,Eu fiquei pensando que os anjos deviam estasr fachinando o céu.A chuva caiu grossa e os raios assustavam ao cair.As oraçõe eram ditas em vos alta...santa Barbara, são Jeronimo!Ficamos todos mais assustados ainda quando no meio de tanta zoeira, começaram a bater na porta das frente, quem sairia com aquela tempestade?Foi o Zé Doidinho! Ele parecia um pinto molhado e tremia, ele que se dizia beato e sabedor das coisas futuras.Entrou gritando que o mundo ia se acabar em água, e que ninguem iria sobrar para contar os fatos, e, só calou a boca quando lhe deram café quente e broa de milho.Falava de um modo engraçado na sua ignorância.Como a tempestade veio, ela se foi.A água barrenta correu abrindo sulcos na terra.A casa ficou silenciosa se refazendo dos tremores, e os viventes foram cuidar de suas vidas.Lembrei só então do Carambola que eu não via há muito tempo e fui procurar em todos os cômodos o meu gatinho, mas não vi nem sinal dele.Perto do anoitecer , de fato e tempo, eu refastelada na cadeira de balanço do alpendre,, vi passar, boiando na força da última enxurrada uma bolinha amarela, mas parecendo uma gorda carambola,só que não era tempo delas, e não pude mais me esquecer do dia da grande chuvarada e da única vítima do profeta Doidinho.
Foi pelo tempo que recebi a minha primeira visita mensal de mulher,que minha mãe começou a tremilicar na sua saúde,como o vô, a princípio não parecia nada, porem,lógo, tudo mudou, e em pouco. tempo lá se foi ela ao encontros dos seus falecidos.Não era mais uma mulher fornida de carnes, bonita,só um fiapo de criatura sofrida.Foi de verde, verdinho, como gostava, morar debaixo da relva, verde, verdinha do cemitério.Chorei tanto que fiquei até com medo de me afogar nas lágrimas, mas, na vida tudo passa e a dor foi indo aos poucos e , já era tempo de passar lápis preto na pinta do rosto e nos meus olhos de mocinha, doida para conhecer a vida alem da cerca.
Parece que vó estava prevendo algo sobre mim, pois, muitas vezes peguei ela olhando de um jeito diferente...que foi vó?Ela não respondia, mais sacudia a cabeça e ia em frente cuidar dos seus cuidados, como falava.Nem sei mesmo precisar quando a vontade departir dali começou a entrar na minha mente, ficou assuntando até chegar no coração, e aí que sabia que era hora de partir.Vó vivia falando que, formiga quando quer se perder, cria asas.Saí de casa em uma manhã como as outras e, para não dar na vista levei pouca coisa.Só no meu peito é que havia muita esperança.
No caminho fui pensando nos comentários de todos...para onde foi essa menina doidinha?E fui percorrer novos caminhos por mim escolhidos e sobre eles não tem tamanho de caderno para anotar.Vivi tantas aventuras e desventuras.A vida foi passando , fiquei bonita, desejada, não tanto para que alguem me pedisse para viver uma só vida, nem queria isso, aprendi a engoli sapos,mas, espérta, cortava as unhas antes,era tempo de gozar ou sofrer e, me fartei de tudo.Fui fiel a mim mesma, as vezes sentia saudades do verde, verdinho, onde dormiam os meus.Belos tempos da minha existência quando fui mulher completamente.Um dia estarei pronta para voltar , e não será um fi, me transformarei em terra, água, e luz, irei repousar no verde, verdinho,e nas noites escuras em fogo fátuo flutuarei sobre a relva, como vi tantas vezes falarem, que eram as alminhas saindo a passeio nas noites escuras.
Só que agora, chegou o momento do regresso, e lá vou eu enfrentar as ruas estreitas da vila, e ninguem saberá logo que eu sou, irei seguindo em frente, não sei se sorrindo ou chorando,atrás do passado, da minha infância, e assim, abrirei a porteira da fazenda para viver uma nova vida, no verde, verdinho da minha saudades.