Foto do time de futebol da história. Papai é o primeiro abaixado da esquerda para a direita.
Morei em várias casas durante a minha infância. Uma delas ficava no sítio dos meus avós maternos, construída no meio de um matinho, perto de uma mina d’água. Tinha apenas um quarto, sala e cozinha, todos de terra batida. Eram rebocados com tabatinga, matéria prima que mamãe retirava cavando um barranco perto do córrego. Essa terra diluída em água era usada para passar no chão e no fogão deixava-os brancos e muito limpos.
Desde que me entendo por gente vi meu pai jogando bola. Perto de casa, no alto do morro, havia um campinho de futebol. À tardinha, quando chegava da roça, ele e alguns vizinhos estavam sempre treinando. Jogavam descalços, chuteiras eram usadas apenas nos dias dos jogos oficiais. O time deles competia uma vez ao mês, no campeonato de futebol de Vargem Grande.
Vargem Grande era um pequeno vilarejo distante uns quatro quilômetros de onde morávamos e a cada trinta dias havia missa na capelinha de São Sebastião. Evento que reunia muita gente, devido à celebração, aos leilões de prendas e aos jogos de futebol.
Nessa época não me sobrava muito tempo para brincar. Minha mãe trabalhava muito e eu tomava conta dos irmãos menores. Mas, eu tinha um sonho. Queria uma boneca daquelas de olhos azuis grandes que sabiam chorar e até dormir. Já havia visto uma delas na loja do Seu Edgar e depois desse dia, até havia perdido o gosto de brincar com as minhas bonecas de pano, feitas em casa. O corpinho era confeccionado de trapos brancos e as roupinhas, eu mesma emendava os pequenos retalhos das costuras que mamãe fazia para as famílias vizinhas, com máquina de pedalar e ferro de passar, aquecido a brasas de sabugo de milho.
Chegou o último domingo do mês. Era um dia festivo, encontro de parentes, amigos, namorados. Uma dos eventos mais esperados eram os leilões. Lembro-me do Senhor Nico, o leiloeiro oficial. Lá de cima do coreto ele apregoava em alto e bom som, todas aquelas mercadorias, doadas pelos devotos de São Sebastião. Havia pães de queijo recheados com linguiça, biscoitos, bolos, galinhas vivas, frangos assados, queijos, cachos de banana, mexericas, garrafas de vinho, cachaça e mais uma infinidade de miudezas.
Aquele dia foi especial. Assim que chegamos me encantei ao ver pendurada no coreto, entre as coisas que seriam leiloadas, uma boneca linda! Longos cabelos louros, olhos azuis, sapatinho e vestido vermelhos. Eu quis aquele brinquedo com todas as forças do meu coração e via nos olhos das outras meninas o mesmo desejo.
Pedi à minha mãe, ela me preveniu que aquela prenda com certeza alcançaria lances muito altos e dificilmente meu pai poderia pagar. Nem acreditei quando ouvi papai prometer: se o time dele fosse campeão, arremataria a boneca para mim.
Eu nunca havia prestado muita atenção nos jogos. Porém, naquele dia durante quase duas horas, sentada num barranco de onde avistava bem o campo. EU FIQUEI NA TORCIDA! Eu rezei, fiz figa, fiz promessa para tudo quanto era santo, dos mais modestos aos mais graduados. Chamei o juiz de ladrão. Jurei que seria a menina mais obediente do mundo. Confesso que cheguei a ponto de prometer umas velas para algumas almas penadas, caso elas fizessem uma intervenção em favor do time de meu pai.
Saí correndo do campo antes do final da partida. O time de meu pai perdia com diferença de muitos gols... Não ia conseguir permanecer até o final da festa e ver outra menina levar a minha boneca de olho azul que chorava e dormia.
Avistei o cavalo de minha avó amarrado na cerca, perto da capela. Subi numa pedra, alcancei o arreio, montei. Peguei as rédeas nas mãos e saí em disparada meio sem rumo. Algumas lembranças dessa tarde fugiram da memória. Sentia os olhos embaçados pelo choro, enquanto o cavalo corria muito e eu não consegui mais dominá-lo. Galopando entramos numa capoeira cheia de cipós e galhos espinhentos...
Acordei na casa de uma senhora que eu não conhecia. Um cheiro de álcool com arnica no meu nariz e nos braços arranhados. Fiquei meio sem graça, quando a visão foi clareando e reparei na cara de preocupação de meus pais, avós e tios. Nesse instante minha madrinha entrou carregando algo e me disse:
—Mariinha, ocê num isperô o leilão... Oia o qui arrematei procê!
Essa é uma foto que tirei hoje, da minha boneca Minervina. Ela está comigo há décadas. O tempo, as chuvas, a poeira, maltrataram-na bastante. Esse lencinho na cabeça é porque quando criança cortei seus cabelos, achando que cresceriam de novo.
Esse texto foi escrito para o Exercício Criativo. O tema de hoje é "Na torcida" Leia os outros autores. Acesse o link:
http://encantodasletras.50webs.com/natorcida.htm
Morei em várias casas durante a minha infância. Uma delas ficava no sítio dos meus avós maternos, construída no meio de um matinho, perto de uma mina d’água. Tinha apenas um quarto, sala e cozinha, todos de terra batida. Eram rebocados com tabatinga, matéria prima que mamãe retirava cavando um barranco perto do córrego. Essa terra diluída em água era usada para passar no chão e no fogão deixava-os brancos e muito limpos.
Desde que me entendo por gente vi meu pai jogando bola. Perto de casa, no alto do morro, havia um campinho de futebol. À tardinha, quando chegava da roça, ele e alguns vizinhos estavam sempre treinando. Jogavam descalços, chuteiras eram usadas apenas nos dias dos jogos oficiais. O time deles competia uma vez ao mês, no campeonato de futebol de Vargem Grande.
Vargem Grande era um pequeno vilarejo distante uns quatro quilômetros de onde morávamos e a cada trinta dias havia missa na capelinha de São Sebastião. Evento que reunia muita gente, devido à celebração, aos leilões de prendas e aos jogos de futebol.
Nessa época não me sobrava muito tempo para brincar. Minha mãe trabalhava muito e eu tomava conta dos irmãos menores. Mas, eu tinha um sonho. Queria uma boneca daquelas de olhos azuis grandes que sabiam chorar e até dormir. Já havia visto uma delas na loja do Seu Edgar e depois desse dia, até havia perdido o gosto de brincar com as minhas bonecas de pano, feitas em casa. O corpinho era confeccionado de trapos brancos e as roupinhas, eu mesma emendava os pequenos retalhos das costuras que mamãe fazia para as famílias vizinhas, com máquina de pedalar e ferro de passar, aquecido a brasas de sabugo de milho.
Chegou o último domingo do mês. Era um dia festivo, encontro de parentes, amigos, namorados. Uma dos eventos mais esperados eram os leilões. Lembro-me do Senhor Nico, o leiloeiro oficial. Lá de cima do coreto ele apregoava em alto e bom som, todas aquelas mercadorias, doadas pelos devotos de São Sebastião. Havia pães de queijo recheados com linguiça, biscoitos, bolos, galinhas vivas, frangos assados, queijos, cachos de banana, mexericas, garrafas de vinho, cachaça e mais uma infinidade de miudezas.
Aquele dia foi especial. Assim que chegamos me encantei ao ver pendurada no coreto, entre as coisas que seriam leiloadas, uma boneca linda! Longos cabelos louros, olhos azuis, sapatinho e vestido vermelhos. Eu quis aquele brinquedo com todas as forças do meu coração e via nos olhos das outras meninas o mesmo desejo.
Pedi à minha mãe, ela me preveniu que aquela prenda com certeza alcançaria lances muito altos e dificilmente meu pai poderia pagar. Nem acreditei quando ouvi papai prometer: se o time dele fosse campeão, arremataria a boneca para mim.
Eu nunca havia prestado muita atenção nos jogos. Porém, naquele dia durante quase duas horas, sentada num barranco de onde avistava bem o campo. EU FIQUEI NA TORCIDA! Eu rezei, fiz figa, fiz promessa para tudo quanto era santo, dos mais modestos aos mais graduados. Chamei o juiz de ladrão. Jurei que seria a menina mais obediente do mundo. Confesso que cheguei a ponto de prometer umas velas para algumas almas penadas, caso elas fizessem uma intervenção em favor do time de meu pai.
Saí correndo do campo antes do final da partida. O time de meu pai perdia com diferença de muitos gols... Não ia conseguir permanecer até o final da festa e ver outra menina levar a minha boneca de olho azul que chorava e dormia.
Avistei o cavalo de minha avó amarrado na cerca, perto da capela. Subi numa pedra, alcancei o arreio, montei. Peguei as rédeas nas mãos e saí em disparada meio sem rumo. Algumas lembranças dessa tarde fugiram da memória. Sentia os olhos embaçados pelo choro, enquanto o cavalo corria muito e eu não consegui mais dominá-lo. Galopando entramos numa capoeira cheia de cipós e galhos espinhentos...
Acordei na casa de uma senhora que eu não conhecia. Um cheiro de álcool com arnica no meu nariz e nos braços arranhados. Fiquei meio sem graça, quando a visão foi clareando e reparei na cara de preocupação de meus pais, avós e tios. Nesse instante minha madrinha entrou carregando algo e me disse:
—Mariinha, ocê num isperô o leilão... Oia o qui arrematei procê!
Essa é uma foto que tirei hoje, da minha boneca Minervina. Ela está comigo há décadas. O tempo, as chuvas, a poeira, maltrataram-na bastante. Esse lencinho na cabeça é porque quando criança cortei seus cabelos, achando que cresceriam de novo.
Esse texto foi escrito para o Exercício Criativo. O tema de hoje é "Na torcida" Leia os outros autores. Acesse o link:
http://encantodasletras.50webs.com/natorcida.htm