Spleen
O fato é que a vida era pesada demais. Mais pesada que o tráfego de São Paulo no final da tarde. Abriu as janelas, ligou o ar condicionado. Tinha as bochechas febris, vermelhas; e os olhos... esses mal se mantinham abertos. No alto, a tampa da panela de pressão o sufocava e o espremia dentro desse mundo absurdo. As nuvens, grossas de poluição, deixavam um ou outro raio solar alaranjado bater sobre as superfícies metálicas e desgastadas dos carros.
À direta, um carro vermelho e grande buzinava incansavelmente, enquanto um cachorro – alguns carros à frente – latia para todas as motos que passavam cortando o trânsito. O ronco dos motores, as buzinas, os gritos, a tampa, a vida cinza... tudo formava um turbilhão infernal em sua cabeça. Aquilo doía, dava tonturas, pânico, falta de ar.
Olhou para o banco do passageiro, onde jazia sua maleta do trabalho, recheada de relatórios e papéis a serem preenchidos, analisados, reformulados. Passara anos de sua vida estudando, pois “assim, você terá um ótimo futuro!”; porém agora, tudo parecia vazio e sem sentido. Mesmo as relações pessoais, que antes eram seu único motivo de esperança, agora eram apenas mais um item na lista de decepções. Ele precisava respirar.
Entregaria os pontos. E se toda a vida frustrada que passara, fora apenas para convergir a esse momento? Esse acúmulo de insatisfação, de sofrimento, de angústia. Era a sina da existência humana, era a sina de sua geração. A eterna busca pela felicidade impossível. Não queria ser apenas mais um. Abriu a porta do carro.
Finalmente, vira ao longe, a fila avançando alguns metros. Ela religou o carro preparando-se para andar. O banco de couro grudava em suas pernas, ensopadas de suor. Prendeu os cabelos num rabo e utilizou uma propaganda de supermercado para se abanar. A fila de automóveis, entretanto, parou de andar quando chegou sua vez. O carro da frente não andava. O motorista abriu a porta e saiu no meio do tráfego. Ela não entendia o que estava acontecendo e começou a buzinar.
O som, o som, dói. Alto demais, tontura... tudo roda, roda, roda, o sol. O dia está clareando, clareando. É mesmo uma bela ponte, um belo rio.
O homem parecia não ouvir. Prosseguia seu trajeto, cortando os carros, quase sendo atropelado inúmeras vezes; em direção ao... ao rio Tietê?
Tudo aconteceu muito rápido. Ela não conseguiu mover nenhum músculo para impedi-lo. Ele subiu no parapeito da ponte e pulou. Ninguém – não apenas ela – fez nada para impedi-lo. Por um segundo, o mundo parou de respirar, ou pareceu respirar mais devagar. O homem caía em câmera lenta, mergulhava graciosamente dentro das águas escuras e fétidas.
Talvez ninguém tenha ajudado, pois a vontade de todos os espectadores era precipitar-se de vez junto dele. Arrancar dos ombros cansados, o peso que fora jogado neles – sem alternativa de escolha – desde o momento de seus nascimentos. Aos sofredores, a salvação.