Amadas,Amanda

Vivi e admirei durante alguns anos uma mulher forte, destemida, ciente do que queria e certa do que conquistaria, Sob educação rigorosa na década de 40, imaginava como aquela pessoa podia ser daquela forma, tão segura, confiante e decidida. Ela era noiva e eu atentei para essas observações apenas depois que ela partiu, muito cedo (para nós), com cerca de 40 anos, deixando uma filha, irmãos, pai, mãe e os sobrinhos mais velhos sem entender o que aconteceu o porquê e o para quê.

Estava eu com dezessete anos e sua filha com cinco. Depois dessa ocorrência a casa ficou mais triste, as cores, desbotadas, os corações desolados. Adianto agora o que não conto , há alguns  anos.
Dos membros da pequena família muitos partiram. Passei a morar sozinha, pouco tempo depois que terminei o curso na Universidade e meu pai-avô tinha partido pouco menos que um mês antes do ato de Colação de Grau.
Anos depois, aconselhada por um tio, residente no Rio de Janeiro, extremamente intuitivo e amante de cachorros, veio passar alguns dias comigo e disse-me: - Você precisa ter um cachorro. - Eu?, retruquei. Você sabe que não gosto de cachorros, tenho medo deles. – um de raça pequena, carinhoso, um Poodle, por exemplo, ele disse. Quer ver? vamos passear, visitar os cachorros da vizinhança. Ambos os vizinhos tinham grandes cachorros. Ele parou no portão, como era de costume e chamou um pastor alemão: amigo, vem cá! E o cão veio, enorme, todo alegre, colocou as patas nas barras do portão e meu tio acariciou sua cabeça e atrás da orelhas, falando com ele baixinho, sobre mim. Depois segurou-me a mão e a colocou sobre a cabeça do cão, que com uma língua enorme arfava e gostava do carinho.
Assim, passado muitos dias, de tanto ouvir do meu tio - essa menina precisa de um cachorro! - o meu namorado chegou em casa com uma cesta de café da manhã  e uma coisa peluda, alvíssima, como bola, de nariz marrom e lindo dentro da cesta, entre outras coisas. Alegria geral. Meu coração triste com as partidas de tia,
avó, pai-avô, e mãe, uma após outra, começou a bater mais esperançoso, quando batizei a branquinha de Saucha.
Meu tio disse, logo ao ver a bichinha: e não é uma só não, é preciso duas!  Ela deve cruzar com um ano e você fica com dois. Mal sabia ele (ou sabia) da tragédia que nos esperava. Saucha e sua filha Qadisha eram a razão da minha vida, que fieram meu mundo girar de cabeça para baixo e faiscar estrelas de alegria. Evolui, evoluímos. Todo ser humano evolui, quando aprende o que os bichos têm para nos ensinar. Anote isto.

 Qadisha era como um Sonho de Valsa, toda daquela cor e os olhos cor de mel claro. Amorosa, fiel, valente e minha defensora. Uma vez entrei no mato com uns oito homens atrás e cada uma de um lado. Um deles ameaçou Qadisha caso ela tocasse na bola e é claro, que ela  a queria para jogar. Estava vindo em direção a ela quando  entramos no mato por um estreito caminho. Falei com o pastor protestante, na casa onde estavam os homens e ameacei chamar a policia. Liguei e os deixei avisados. Não teve mais jogo de bola, nem mexeram com ela.

Mas um dia... a minha Qadisha adoeceu de uma triste e malvada doença, sofreu muito, recebeu transfusão de sangue, e um dia, deitou sobre meus pés enquanto eu tentava engolir um pedaço de pizza com água; nos olhamos, abaixei-me a acariciei, ela olhou para mim triste e desesperada; e  partiu.
Quatro anos depois estava com Saucha sob a Acácia, no passeio de casa, não ouvi nenhum ruído e, de repente dois vizinhos entraram em suas casas rapídamente e apavorados. Quando olhei à volta ela estava sobre a grama em posição de “rendo-me”, caladinha, enquanto um
pit bul a abocanhava  a barriga[...]  Não sabia o que fazer.Quebrei a vassoura na cabeça dele e entreguei-me com o pensamento em Deus e nela.. Ele a soltou  e olhou para mim ,  e saiu correndo para fazer outra vítima mais adiante.[...]
Não estava em condições de dirigir e esperava um primo para levar a bichinha ao hospital, ele demorava. Uma garota de cinco anos, Amanda, filha dele, sentada a meu lado com as perninhas penduradas. disse-me desse jeito: -Tia, seu carro está ali, a chave está em sua mão, meu pai vai demorar, vamos logo, vou com você. Disse a ela que estava vendo se passava alguém conhecido para levar-nos e ela citou esta frase: -Tia, as pessoas não estão a fim de ajudar ninguém, vamos! eu vou com você e levo Saucha no colo.
Amanda me surpreendeu e encheu-me de força e amor. Ao levantarmos, com Saucha nos braços, o pai dela chegava, felizmente..Fomos ao hospital, ela foi operada, mas despediu-se de todos os cômodos ao chegar em casa, escondeu-se entre dois caqueiros com flores e partiu, ouvindo-me cantar sua canção preferida: a oração de S. Francisco de Assis.
Depois de tudo, imaginem como a vida continuou, mas tinha que continuar...