Bomba Relógio Ambulante

Na volta do trabalho para casa sempre passava em frente à banca de revistas que ficava próxima de sua casa, olhava sem muito interesse os jornais, revistas e livros à mostra, todos desinteressantes a seu gosto. Os jornais mostravam em destaque as tragédias cotidianas: roubos, assassinatos, atropelos ou algum escândalo político. As revistas em sua maioria eram de fofocas ou então, eram semanários sensacionalistas que traziam em suas capas reportagens manipuladoras e tendenciosas. Os livros, sem exceção, eram de auto-ajuda. Por isso, sempre passava pela banca e apenas olhava furtivamente. Quando estava disposto parava e tentava “fuçar” algo interessante no interior da banca, mas esses lapsos de disposição eram raros.

Andava sempre com a cabeça agitada, pensando sobre tudo. Uns pensamentos sobrepondo-se a outros de forma tão intensa que vivia cansado, mentalmente cansado. Sempre ia caminhando por uma das ruas que margeiam o rio e como sempre, era inevitável que nesse momento pensasse sobre o estado em que o rio se encontrava. Observava o leito do rio tomado pelas baronesas, garrafas pet boiando onde ainda era possível ver a água, sentia o cheiro desagradável do esgoto que era lançado no rio sem tratamento algum. E perguntava-se quanto tempo duraria aquela loucura? Quando a humanidade iria acordar desse pesadelo? Quando vamos nos curar dessa doença que causa tanto mal. Se a maior parte de nossa constituição física é água, se a água possibilita a vida, por que assassinamos o rio que outrora foi responsável pelo surgimento da cidade? E imaginava como seria o rio se não fosse poluído, como seria bom tomar banho nele nos dia quentes de verão, pescar ou simplesmente sentar à margem e ficar admirando sem sentir o cheiro horrível de excremento.

Quando desviava o olhar do rio para as ruas os pensamentos o acompanhavam e devaneavam sobre o porquê de tanto asfalto, de tanto concreto, de tantos carros numa cidade em que o transporte publico funcionaria melhor que carros particulares. Tentava adivinhar o dia em que chegaria o caos e despertaríamos ou sucumbiríamos de uma vez e deixaríamos espaço para outra espécie, para que esta reinasse no planeta e não mais a espécie humana. Achava que a raça humana já não era mais digna de habitar a terra. Chegava a desejar que o caos acontecesse o mais rápido possível.

Algumas vezes reassumia o controle de si e percebia o desproposito daqueles pensamentos. Era como se existisse dentro de sua cabeça outra personalidade que se comprazia em angustiar-se com aqueles pensamentos e, o que o deixava mais preocupado, ele não tinha controle sobre esta “outra pessoa”. Temia a possibilidade de perder o controle de vez e enlouquecer. Porem, logo pensava que perder totalmente a sanidade não seria tão ruim como imaginava, uma vez que viver são num ambiente dominado pela loucura era um grande tormento. E talvez se rendendo à loucura humana ele deixasse de pensar sobre tudo, de ponderar, de sentir-se culpado, de se responsabilizar por ser tão pacato, por não questionar os absurdos, por não ter nascido revolucionário. Mas pensava pouco sobre esse assunto porque achava que esse era o inicio da perda da sanidade, percebia que ainda não era a hora de endoidecer. Sentia-se impelido a fazer algo para mudar, amenizar aquela situação, ou ao menos tranqüilizar sua consciência. Embora não se sentisse capaz de provocar alguma mudança naquele estado de coisas, o desejo era latente em seu peito. Passou a pensar em formas de salvar alguém da miséria, ou da ignorância, ou talvez juntar um grupo de camaradas e assaltar um banco e distribuir o dinheiro numa favela, ou quem sabe com esses mesmos camaradas ir até a prefeitura ou à câmara de vereadores e quebrar tudo. Mas essas idéias não passavam de devaneios. A verdade é que não sabia o que fazer, pois não tinha um espírito ativista.

Taciturno Calado
Enviado por Taciturno Calado em 26/09/2013
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