...Saco de pão...

Há tempos observo da janela do meu apartamento um menino.

Da janela da minha sala, eu o vejo se aproximando da lixeira do prédio, onde, discretamente ele olha para um lado, olha para o outro e desesperadamente começa vasculhar o lixo a procura de não sei o quê.

Ele abre saco por saco e de vez em quando, retira de dentro deles, coisas que eu não consigo ver. Ele os olha, vira de um lado, vira de outro, põe para cima, põe para baixo, os cheira e os leva a boca.

Ele fecha a lixeira, caminha um pouco e vira a esquina.

Eu corro para a janela da minha lavanderia e o vejo sentar na calçada. Ele cruza suas pernas e fica observando as pessoas entrando e saindo de um restaurante localizado do outro lado da rua.

Ele vê um senhor bem vestido sentado na mesinha de fora lendo um jornal, tomando um chopp e uma vez ou outra levando sua mão a um prato e se deliciando com algo de comer que ele nem imagina o que deve ser.

Vejo o menino se levantando e caminhando em direção ao homem. Os dois conversam por alguns segundos. De súbito o homem se levanta parecendo irritado e joga o jornal no chão. Aponta seu dedo na cara do menino, grita alguma coisa que eu não posso ouvir, pega o prato, joga seu conteúdo no chão e pisa. Sapateia com os dois pés.

O menino corre e vira a outra esquina.

Eu corro, e agora, pela janela do meu quarto, posso vê-lo correndo, correndo, correndo até sumir.

Há tempos que eu não via mais esse menino. Porém, hoje, ao descer do meu apartamento para levar o lixo eu me deparo com ele dentro da lixeira.

Eu fiquei paralisada observando-o. Não era um menino. Era uma menina. Mais ou menos onze anos, cabelos curtos, pés descalços, roupa rasgada e pele suja.

Com os olhos fixos nos meus, lentamente ela foi se levantando e saindo do meio do lixo. Já de pé e de frente para mim ela gritou e bateu o pé:

- O que eu sinto é foooome! Fooooome!Foooooomeeeeeeeee!

Eu não disse uma palavra. Fiz um sinal com a mão para que ela me esperasse e sai correndo para meu apartamento. Entrei na cozinha e peguei a primeira coisa que eu vi pela frente e desci em disparada. Cheguei à rua, olhei pra um lado, olhei para o outro, virei uma esquina, virei a outra esquina e ela não estava por lá.

O tempo passou e eu nunca mais vi a menina, porém, a imagem dela sempre me vem à cabeça quando eu entro na minha cozinha e vejo em cima da mesa o saco de pão.

Aline de Melo
Enviado por Aline de Melo em 21/09/2013
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