Marina Fogueteira
Era uma abrasadora tarde de sol na pequena vila. O vento soprava sem o esforço de alimentar. Estava a passear na praça, Maria, ou melhor, Maria Foguinho, como todos no vilarejo a conheciam; moçoila que há pouco emergira da adolescência,- refiro-me aqui ao conceito biológico, e não, o comumente difundido-. A adolescência termina ao se completar vinte e uma primaveras, Maria havia passado um pouquinho de seus vinte e um ardentes verões. Garota realmente incrível. Toda gente gostava, tanto os rapazes quanto as moças. Ela possuía o talento de transitar por todos os grupos com facilidade, participando, iluminando, muitas vezes incendiando ativamente, seja numa partida de futebol, seja incrementando as unhas das amigas com desenhos pitorescos e criativos. Todos diziam que caso o vilarejo se emancipasse, seria ela um dia, a liderança política local, a labareda da ordem e do progresso!
Maria Foguinho era de uma inteligência rara. Simplicidade sem par, nada fazia por interesse e sim, por prazer ou encantamento. Até mesmo se o time masculino estivesse a jogar bola e precisasse de um goleiro lá estava ela de prontidão. Algumas tardes ela e alguns seguidores discutiam filosoficamente. Sentados levemente na calmas margens da Lagoa. Maria Foguinho assim foi se estruturando. Amiga de todos e acima de tudo feliz e bem resolvida. Ela, porém, retinha uma singularidade que a tornava deveras diferente; era despudorada, veja bem o que digo, ela não tinha pudores com nada, em sua gentileza costumeira, era capaz de enxergar uma pessoa precisada e seja lá qual fosse a necessidade, deixava o pudor de lado e satisfazia aquele desejo, aquela vontade encoberta, desde que achasse que era justo bom e não prejudicasse a ninguém. Imaginem a diversidade de solicitações... Além disso, possuía uma grande capacidade de refocilamento, uma verdadeira bateria de retroalimentação. Certa feita prestou um favorzinho a um erudito professor que olhando para ela surpreso te falou com ar filosofante "O nosso Português, não o da padaria -que conheço tanto quanto você-, o da gramática, Maria, guarda deliciosas surpresas. "Sabe o que é refocilamento? Vou-te explicar: Em latim o vocábulo "focus" (fogo) ganhou o diminutivo "focilus" (foguinho) exatamente como você, capaz de se aquecer, revigorar a si mesma e ao que toca, portanto continue refocilantemente refocilando".
Maria animada, beirava a inconsequência, mas estava sempre cercada de uma segurança iluminada. Tudo que fazia ou tocava, resplandecia, assumindo uma haura de rara magnitude. E o pior; ou melhor? Sempre dava certo. Acabava topando situações inusitadas. E ela gostava de correr estes riscos. E também não se importava com qualquer boataria.
E assim, Foguinho seguia aprontando loucuras e a satisfazer sonhos e desejos. Era boa, mas não era santa. E, acima de tudo, com ética própria, em todas as empreitadas. Sempre acertava os detalhes, explicava pormenores. Nunca fazia nada de improviso, portanto nunca se metera em encrencas, pelo contrário, todos lhe eram muito gratos pelos seus favores. Não passava nem uma tarde sequer sem receber pequenos mimos: doces, sorvetes e quindins deliciosos como forma de agradecimento.
No vilarejo houve um tempo em que uma febre, dessas gripes que de vez em quando atacam a população, de tempos em tempos, que deixou alguns rapazes da cidade com um comportamento estranho: por meses queriam brincar de boneca, mudaram a forma de andar, estavam possuídos por aquele comportamento incomum.
Alguns pais se reuniram e coube a Maria Foguinho ser o antídoto daquela situação. Ela sempre condescendente e abdicada, calculou o numero de enfermos, pequeno por sinal, e resolveu ajudar... Em uma semana Maria Foguinho tinha resolvido a situação, quanto aos métodos de cura, ela jamais revelou. Porém sempre dizia resoluta “Resolvi no verbo e na matéria. Somente um deles não era doença não”. Afirmou Maria Foguinho, arrematando “É da natureza!” Era uma sábia na filosofia e na expressão. Se não fosse tão pacífica e generosa, em outros tempos poderia ser confundida com uma subversiva.
Maria, porém, era muito curiosa e tinha um domínio sobre tudo que ocorria no vilarejo. Percebeu uma movimentação estranha nos arredores da Lagoa. O vilarejo estava crescendo e novas construções estavam sendo edificadas. Uma igreja, um templo se erguia do solo e Maria Foguinho que era muito temente a Deus passou a esperar ansiosa, o local de oração. Uma inquietação estranha mexia com ela, e aquele lugar, como um ímã chamava e atraía... Acompanhou, todos os dias, a construção. Até que ao cabo de oito semanas a igreja foi erguida e ela foi ansiosa e chamuscante ao primeiro culto. O responsável pela condução dos trabalhos foi logo falando de uma tal contribuição obrigatória que todos deveriam prestar para frequentarem o local.
Maria, de início, achou estranho, mas aquela filosofia tão bonita já estava se impregnando em sua alma sensível. A voz do pregador calma e convincente!, além da música celestial! Oh que delícia! Meditou sobre a contribuição e aquiesceu. Retrucou para si mesma “É verdade todos tem que ajudar, afinal recebem muito deste lugar...” e resolveu também passar a aplicar aquela ideia a sua maneira de proceder. Matutou bastante e para ajudar a igreja e poder participar pensou naquilo que lhe era uma marca ou o que fazia que deixasse a todos satisfeitos. Ela era foguinho porque na hora do prazer ela ficava toda vermelhinha, ganhando assim a alcunha, além de ser energizante, diziam.
Asseverou que a partir daquele dia seu foguinho ia custar um preço e não ia ser barato não, afinal precisava ajudar a sua igreja. Maria com seu pensamento empresarial e caritativo passou a ser a maior obreira que o vilarejo, igual, jamais conheceu. Alguns anos depois, por um bom punhado de dólares, apresentou o seu foguinho a um gringo curioso, missionário visitante, que nunca mais a largou. Casou-se com ela e mudaram para os Estados Unidos. Há quem diga que ela também é um sucesso por lá... Segue refocilando, em sociedade, na religião e nos negócios!