Mal-estar

“Tic-tac, tic-tac...”, o barulho dos ponteiros preguiçosos do relógio era ouvido por toda a sala. “Tic-tac, tic-tac...”.

Não fez nada a tarde toda. Pensativo, olhava pra parede. Girava-se sobre a cadeira, mudava os objetos da mesa de lugar, rabiscava papeis. Os pensamentos voavam longe.

“Tic-tac, tic-tac...”, coçou a cabeça, consultou o relógio. Estava próximo das cinco horas, era pouco provável que algum cliente aparecesse naquele horário.

Decidido, levantou-se, colocou o paletó e lentamente foi até a sala ao lado, onde ficava o seu sócio, no escritório de advocacia.

- Eduardo, já vai dar cinco horas, vou ao fórum com a Larissa. Você aguenta as pontas sozinho?

O sócio sorriu.

- Vai ao fórum com a Larissa? Hora extra, hoje?

- Acho que sim.

Puseram-se a rir.

- Vai, vai... Pode ir lá se divertir – disse o sócio, fazendo um gesto displicente com uma das mãos. - Só toma cuidado pra tua mulher não descobrir o que tu tanto faz nesse fórum. Do jeito que ela é amiga da minha mulher, é bem capaz de sobrar pra mim.

Ainda sorrindo, saiu de mansinho da sala e foi até a mesa da secretária.

- Larissinha, meu amor, são cinco horas, tá afim de ir comigo ao fórum hoje?

Ela sorriu de leve, pelo canto da boca e sem olhar pra ele, respondeu:

- Não sei, doutor. Tenho tanta coisa pra fazer ainda...

- Vamos, meu amor, eu prometo que eu compenso isso mais tarde.

Fitou-o nos olhos e, ao perceber o discreto sorriso zombeteiro que se formava em seu rosto, disse igualmente sorrido.

- Tá certo, eu vou. Mas, primeiro, eu vou ao banheiro. Volto já.

“Tic-tac, tic-tac...”, enquanto a esperava, os zumbidos dos ponteiros do relógio martelavam a sua cabeça. O olhar perdido, a testa contraída, parecia impaciente. “Meu Deus, que demora, espero que consiga chegar lá antes das seis!”, disse para consigo, quando meia hora depois a secretária finalmente saiu do banheiro.

Já estava escuro quando eles chegaram ao fórum, que era na verdade um motel bem distante do centro da cidade, escondido de tudo e todos - perfeito para quem não queria ser visto.

O quarto onde foram acomodados era abafado. No ar, havia um forte cheiro de azedo e perfume barato, motivo pelo qual ele ficou levemente enjoado.

Por mais de uma hora, tudo o que se ouvia no quarto era o ruído de dois corpos sem preocupações em busca de prazer barato. Quando terminaram, a secretária foi novamente ao banheiro, deixando-o deitado na cama.

“Tic-tac, tic-tac...”, impaciente, durante vários minutos esperou-a sair do banheiro. Estava tarde, queria ir pra casa. O cheiro de perfume barato o incomodava, dava-lhe dor de cabeça, fazia-lhe sentir-se sujo. Por que ela sempre tem que demorar tanto no banheiro? O que raios ela tanto fazia lá? Por que não podia fazer em casa? Sentia nojo dele, por acaso?

A cabeça latejando. O calor tornou-se insuportável. O suor escorria pela testa. O corpo estava preguento, fedia a azedo. Começou a arrepende-se de estar ali.

“Tic-tac, tic-tac...”, o arrependimento ia crescendo, sentia-se sujo. Não agüentou mais. Decidiu esperá-la do lado de fora, no carro.

Enquanto a esperava, um carro estacionou ao lado do seu. Quando as portas se abriram, quase teve um troço. A mulher do seu sócio acabara de sair do carro com outro homem. Ficou branco, o sangue fugiu da cabeça. O coração acelerado, as pernas tremendo. Abaixou-se rapidamente e ficou esperando que ela não reconhecesse seu carro, e nem cruzasse com a secretária pelo caminho. Não era religioso, mas as rezas e promessas que fez durante aqueles minutos foram tão intensas que, se estivesse na presença de alguma testemunha, certamente seria confundido com um santo.

O calvário não durou muito. Em poucos minutos a mulher do sócio desapareceu pelo motel. Por sorte, não reconheceu o seu carro e nem cruzou com a secretária. Quando esta chegou ao carro, ele ainda estava pálido, suando frio.

Durante todo o caminho de volta, ficou em silêncio. O rosto sério, a testa contraída, não sorria. Com tristeza, lembrou-se de seu sócio e sem saber bem o porquê, não conseguiu parar de pensar na amizade que existia entre as suas mulheres.

Na sua alma, sentia o mesmo mal-estar que no estômago.

Fortaleza, 14/12/2009

Jimmy Jazz
Enviado por Jimmy Jazz em 19/09/2013
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