FARTURA DE NADA

Em meio aos seus achados, perdeu-se. Abastando-se de idéias alheias e influenciando-se por histórias imaginárias sentia que mais um dia esvaía sem que conseguisse perceber qualquer algo realizado por sua própria atuação.

Via as gentes indo e vindo, ou apenas indo – deixando o vir para quando lhes aprouvesse o voltar... Instante após instante constatava o silêncio aumentando ao seu redor, o vento crescendo mais fresco e aquele incômodo dos insetos já bem familiares em seu quarto.

Ali gastava a maior parte de seus dias, de sua vida: entre livros, papéis, recortes e as ferramentas básicas de um artesanato amador. Tirar o meio do dia para a confecção do nada talvez lhe tenha sido o arrependimento que surgia. Já não tinha muito a fazer e interromper suas poucas atividades por nada pareceram-lhe agora como uma sentença de uma vida inútil.

Queria encontrar o que lhe dava prazer. A letargia impedira o corpo de retomar a atividade física antes tão prazerosa; a incessante tendência ao isolamento impunha-se a ponto de recusar alguns convites informais para sociabilizar-se. Nem mesmo a variedade de vestuário à disposição tornava-lhe convincente de que estaria atraente, naturalmente elegante (como era sempre sua preferência ao aparecer em público. Nestes casos não incluía os compromissos profissionais e toda a adequação de vestuário requerida para tais).

A memória traía-lhe com lembranças de um passado um tanto quanto remoto, trazidos pelas palavras de uma colega. Distante, reforçava a certeza de que foi o melhor a ser feito, foi uma decisão acertada para toda sua vida, embora não fora uma decisão própria. Agradecia haver tido alguém que decidira algo que lhe fortalecera o caráter.

Agora era tempo de criar coragem para as próprias decisões. Assumir o amadurecimento, forçado embora necessário, a dor da mudança e do desaparecimento do que um dia lhe foi tão admirado e querido: Os próprios traços de pureza e ingenuidade - não mais os teria.

Tomar conhecimento de antigos cálculos e pretensões, nunca antes expostos, desconhecidos até então, apenas traziam sobre si resquícios de uma seqüência de erros, após os quais obtivera toda a perda computada e poucos ganhos somados.

Justamente o que lhe prendia a afeição, e inexistia agora, impedia seu avançar no crescimento e conhecimento da vida, do tornar-se quem almeja, ainda inconscientemente, e carece de ser.