Dia de Chuva
- Nega! Vou ao térreo conversar com o síndico do condomínio. Você já está saindo também? Podemos descer juntos. Se quiser, posso te dar uma carona! – disse-me meu marido.
- Puxa amor! Mas ainda é apenas meio-dia! O ônibus que vai para o Shopping vai passar por aqui apenas as 12h20min.! Vou ter que ficar parada, em pé, no ponto de ônibus, cerca de 20 minutos! – reclamei.
Meditando um pouco: hoje é sexta-feira; está chovendo dia e noite desde o último sábado. As roupas lavadas demoram a secar, há fortes enxurradas que destroem o asfalto, inundam as casas e derrubam muros; as doenças respiratórias e a dengue se expandiram; tudo isso por causa do excesso de chuva. Agora é meio dia de sexta-feira e parou de chover. Acho que devo aproveitar essa trégua da chuva e caminhar tranquilamente até o ponto do ônibus.
- Está certo, amor. Vou descer com você aproveitando que a chuva parou, mas não vou querer carona, tá? Vou mais cedo para o ponto do ônibus. – disse cordialmente.
Atravessei tranquilamente o espaço que separa o condomínio em que moramos até o ponto de ônibus (um quarteirão e meio). O ponto de ônibus encontrava-se vazio e com o banco embarrado, o que já esperava, uma vez que as pessoas não usam o banco para sentar e descansar; e sim para ficar com os pés sobre ele.
Respirei fundo e aguardei. Logo chegou um casal conhecido da vizinhança: a costureira e seu marido. Não recordo seus nomes. Passamos a conversar sobre o excesso de chuva e seus percalços, quando a chuva começou a cair novamente. Fiquei tranquila porque estávamos protegidos pela cobertura do ponto de ônibus, mas foi por pouco tempo. Ficou muito forte. Tivemos que abrir nossos guarda-chuvas e a água que corria no meio fio já ameaçava subir a calçada em que estávamos. Mas isso não diminuiu nosso bom humor; continuávamos conversando e rindo, já que sabíamos que logo o ônibus chegaria para salvar-nos. Nesse momento, contamos também com a companhia de uma moça que falava ao celular.
O ônibus chegou, mas não era o que me levaria ao Shopping. O casal conhecido e a moça do celular entraram no ônibus e fiquei abandonada na chuva.
Fui encolhendo-me... encolhendo-me... tentando evitar os pingos gelados de chuva, mas estava difícil. Minhas calças compridas já estavam encharcadas dos joelhos para baixo. Na mão direita trazia o guarda-chuva aberto; no ombro esquerdo, a bolsa; na mão esquerda, uma sacola de papelão na cor vermelha (de propaganda de operadora de telefone celular). Comecei a tremer de frio e a fungar, com uma vontade de chorar de pena de mim mesma.
Logo chegou uma estudante adolescente. Brinquei com ela sobre a chuva e sobre o fato de ela estar com as roupas secas enquanto as minhas estavam molhadas. Levantei um pouco a sacola para ela ver: “- Olha só. Estou carregando uma sacola de papelão durante a chuva! Tomara que não rasgue e despeje tudo no chão!” – disse. Quando terminei de falar isso, o fundo da sacola molhada se rompeu e caíram ao chão as quatro caixas com quatro celulares! A estudante agachou-se e ajudou-me a juntar os celulares. Colocamos três em minha bolsa e um deles ficou em minhas mãos, porque a bolsa já estava cheia. A sacola vermelha rasgada ficou sobre o banco embarrado.
Já estava quase chegando ao desespero, quando chegou outro ônibus, mas que também não ia para o mesmo destino que o meu. A estudante foi nele e voltei a ficar sozinha com minhas roupas molhadas, frio, bolsa aberta e cheia de celulares, cansada de ficar em pé e no salto alto, fungando e com uma vontade enorme de chorar. Após muito custo, consegui pegar meu celular de dentro da bolsa, que estava embaixo dos outros três celulares. Queria ver que horas eram, mas não consegui porque estava sem óculos.
Em seguida chegou outra mocinha que mora bem próximo ao ponto de ônibus. Cumprimentamo-nos e perguntei se sabia que horas eram. Respondeu-me que eram 12h50min. Meu Deus! Já fazia cinquenta minutos que estava naquele ponto de ônibus! Aí a fungada foi maior, quase chorei, só não o fiz por vergonha da moça ao meu lado. Minhas pernas e pés começaram a doer. Estava cansada, triste e com raiva porque o ônibus não passara.
Puxei pela memória e tentei chamar um táxi, mas o número do telefone estava incorreto. Perguntei para a mocinha se ela sabia um número de telefone de táxi. Respondeu-me que não sabia, mas que teria que retornar a casa dela para buscar um documento que esquecera e já aproveitaria e perguntaria o número do telefone para o cunhado dela.
Ela saiu e voltei a ficar sozinha com minha irritação, meu cansaço, meu frio, meu resfriado que parecia estar chegando e minha pena de mim mesma. Pensei em telefonar para o Geraldo para dar-me uma carona, mas iria interromper sua sesta e a chuva estava ficando muito forte e ele iria se molhar todo para ir da porta do apartamento até o estacionamento do Condomínio.
Enquanto esperava a mocinha retornar, passou mais um ônibus. Acenei sorrindo tristemente para o motorista, informando-o de que não iria pegar aquele ônibus. Já não sabia se sorria ou se chorava, mas engoli e choro e não deixei as lágrimas se derramarem pelo meu rosto. Apenas uma lágrima bem pequenina quis cair pelo cantinho direito do olho direito, mas logo a enxuguei e respirei fundo novamente.
Em seguida passou um táxi. Pensei: “- Deve ser miragem, pois aqui é muito difícil passar táxi.” Saltei da calçada, entrei na água que corria junto ao meio-fio e estiquei o braço que estava com o guarda-chuva aberto, acenando para o taxista, mas ele não me viu. Seguiu seu percurso olhando para o outro lado da rua.
Mais uma fungada que não sabia se era de resfriado ou de choro, falando comigo mesma: “- Aguenta firme, Simone. Não é uma chuvarada dessas que vai te derrubar ou acabar com teu bom humor. Logo você chegará a um lugar seco e quentinho e nem se lembrará deste episódio”.
A mocinha retornou ao ponto de ônibus. Percebi que estava com guarda-chuva, mas sem sua bolsa. Será que na pressa para não perder o ônibus, esquecera a bolsa em casa? Trazia na mão um pequeno papel branco. Ali estavam anotados dois números de telefones de taxistas. “- Olha, vim aqui só para trazer os números para a senhora chamar o táxi. Meu cunhado me dará uma carona de carro, mais tarde.” – disse-me ela. Nossa! Quanta gentileza! Saiu na chuva apenas para me entregar os números dos telefones! Fiquei muito agradecida e ela regressou para sua aquecida casa. Neste momento, já não sabia se chorava de raiva, tristeza ou gratidão. Será que eu faria uma boa ação igual a essa? Sair na chuva para fornecer uma informação para uma pessoa desconhecida? A lágrima teimosa queria novamente correr pelo cantinho direito do olho direito, mas aguentei firme: “- Já sei! Vou despejar no papel, toda essa raiva; vou escrever um conto, logo que chegar num lugar seco e aconchegante”.
Uns 30 minutos após (ou foram apenas 5????), o táxi chegou.
- Moço, já faz uma hora e dez minutos que estou parada neste ponto de ônibus, em pé, cansada, molhada da chuva e com frio! Que demora! – despejei minha fúria contida até aquela hora.
- Dona, a senhora me desculpe pela demora, mas a Avenida Duque de Caixas está interrompida pelo excesso de água e por um acidente que ali aconteceu. O trânsito ficou um caos. Tive que fazer uma volta enorme para chegar até aqui. – respondeu-me educadamente.
- Tudo bem. O senhor não tem culpa se o ônibus que vai para o Shopping não passou até agora. Estou nervosa. O senhor não tem nada a ver com isso. Peço desculpas. – comentei calmamente.
A chuva lá fora persistia fortemente; então, resolvi curtir o percurso. Larguei a bolsa cheia de celulares e o guarda-chuva no banco do carro, estiquei as pernas, cujas “batatas” já estavam latejando, mexi com os dedos dos pés, respirei fundo e apreciei o calor e o conforto do carro.
- Ah! Tomara que não chegue nunca ao destino. Quero ficar para sempre aqui dentro deste carro quentinho e aconchegante!