O  PÃNICO DA CEGUEIRA
 
Ah! benditos eram aqueles primeiros sinais do alvorecer!
O quarto estivera, na noite anterior, às escuras.
 Pequenas frestas da janela filtravam por ora os tênues feixes da luz exterior, ao tempo que já se podiam ouvir os primeiros ruídos dos movimentos pelo quintal. Amanhecia.
Tranquilizado pela luz do quadro, Plínio passou as mãos pelos olhos perturbados e mais uma vez lembrou-se do início de tudo.
Adolescente, acompanhara a mãe à casa da tia com a missão de resguardar o local; a proprietária viajara.
Coube a ele, --- sem o benefício da escolha ---, certo quartinho estreito e abafado, encerrada, ali, modesta cama de solteiro junto a um guarda roupas localizado na parede frontal à cama, onde se recomendava haver refrescante janela, embora não a houvesse ali; acima, no teto, titubeante luz amarelada tão própria daqueles tempos precários, transmitia forte incentivo ao recolhimento, não fosse a dor de dentes a atormentar o rapazote.
Aquietara-se por momento ainda sob os efeitos do extrato do cravo-da-índia aplicado sobre a panela aberta do molar que se mostrava profundamente cariado; o algodão embebido no óleo amarelado e cáustico da especiaria conservava-se no local, vindo a queimar, também, a mucosa da boca. Tudo isso incomodava sobremaneira a ele que, mesmo assim, premido pela dor latente deixou-se adormecer sob o ambiente abafado e morno.  O sono viera inquieto, não reparador.
 
 Em que pese seu infortúnio, prenunciava três horas. A madrugada não melhorara a temperatura, trazendo desconforto no sono perturbado de Plínio, acordando-o.
Abertos os olhos um negror total, escorchante, --- forma de realidade plana e rasa em absoluta trevas ---, vinha de encontro a ele e o sufocava. Pôs-se sentado. Passou as mãos pelos braços, procurou senti-los; estendeu-as em seguida ao rosto, à barriga, e só então percebeu os primeiros sinais aterradores que se apossava dele. Numa tentativa ainda, buscou por algum ponto de luz, e nada; a escuridão se apresentava total e amedrontadora. A inexistência da luz no local recrudesceu  em Plínio a angústia daquele quadro apavorante a sufocá-lo novamente na maldita dimensão negra sem profundidade. O impacto da súbita constatação elevou-lhe os batimentos cardíacos; a pressão sanguínea alterada, por sua vez repercutia intensas pontadas agudas no interior do dente avariado, estendendo rapidamente às têmporas.
O suor excessivo lhe minou pela testa à medida que temida idéia se fixava na mente:  a lesão dentária teria lhe afetada a visão? ... Aquela dor lancinante, tão próxima dos olhos, não seria capaz de cegá-lo?
Ante a dúvida e a realidade apavorante levantou-se tateando pelos ares indo logo esbarrar com o móvel à frente; desnorteado, seguiu às apalpadelas em busca de encontrar algum ponto de luz referencial, quando não, a porta de saída do modesto cômodo, fato que o desespero o impedia.
Vãs tentativas seguidas finalmente vieram acerbar de vez seu medo, e Plínio, dessa vez, sentiu-se subjugado por aquela parede negra que lhe fechava e o oprimia. Gritou e perdeu a consciência.

Quando a débil luz do coto de vela penetrou no aposento pelas mãos da mãe aflita, iluminou o corpo desfalecido entre os dois móveis do local; aos cuidados da zelosa sra. logo recobrou os sentidos.
Refeito, tomou a vela em sua mão aproximando-a ansioso do rosto; Plínio sentia agora a necessidade de tê-la ali, de apertar aquele objeto que irradiava luz tão tranqüilizadora resplandecendo, para sua alegria, a própria imagem dentro de seus olhos perfeitos.
Desde aí, jamais uma fonte de luz foi tão admirada e tão abençoada.
 
 
 
moura vieira
Enviado por moura vieira em 15/09/2013
Reeditado em 15/03/2021
Código do texto: T4482514
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