Júnior

Heuribes Caldeira era um homem trabalhador, bom pai, bom marido e um grande amigo, mas em certa ocasião da vida passou por uma experiência muito difícil e cruel. Uma daquelas coisas chatas, que deixam as pessoas de cabeça quente e que podem acontecer com qualquer um neste mundo, acabou acontecendo com ele e com outras pessoas aqui citadas. Tudo aconteceu muito rápido e ficará na lembrança de todos eternamente.

Aconteceu a dois anos, quando ele foi convidado para um casamento e um aniversário, que ocorreram no mesmo dia e quase na mesma hora. O casamento era de um amigo de infância e o aniversário era do filho de um colega de trabalho. As duas festas foram marcadas justamente em uma data em que ele estaria fora da cidade, prestando um concurso público na capital. Como morava no interior, viajaria um dia antes para chegar com antecedência e não perder a prova.

Por coincidência, um vizinho, que havia sido esfaqueado há dez dias, faleceu, e seu velório foi realizado também no dia das duas festas.

Heuribes era inteligente e sempre que podia fazia cursos e concursos, tentando melhorar de emprego e também sua situação financeira, entretanto, era muito festeiro e não gostava de faltar nas comemorações, principalmente nas de casamento, onde além de se divertir muito, comia e bebia bastante. Ele esperava pela festa de casamento do amigo com muita ansiedade e ficou muito triste quando não pode ir.

Montanha, o noivo, que se casaria depois de um longo tempo de namoro, era seu companheiro de bar e de farras desde a mocidade e juntos jogavam futebol todos os domingos. Era um sujeito alto, forte, ciumento e não era de fazer muitas amizades, mas tinha uma ligação bastante forte com o amigo. A noiva era uma moça de olhos claros, gorda, baixa e também muito faladeira, que gostava de “dar bola” para outros rapazes para deixar o noivo irritado.

O pai do aniversariante ocupava um cargo superior ao de Heuribes na empresa e não era nada simpático com seus funcionários no serviço. Sempre estava mal-humorado e descontava sua ira nos subordinados. Carlinhos, seu filho, sempre foi muito frágil e chorão, dias antes do seu aniversário ficou hospitalizado uma semana com problemas respiratórios e sempre vivia dando trabalho por conta de suas doenças e manhas. Quando recebeu alta e foi para casa, ganhou muitos brinquedos de presente. Era uma criança solitária que não tinha muitos amiguinhos, então pediu para seu pai convidar o filho do Caldeira para a festa. Os dois meninos se conheciam apenas de vista e nunca haviam brincado juntos.

Rojão, como era conhecido na empresa, convidou também outros funcionários que tinham filhos pequenos. O pai mimava muito seu filho.

- Papai, o senhor pode convidar o Júnior e o pai dele para o aniversário? - Perguntou o menino.

- Claro filho. Papai já disse que convida quem você quiser.

O vizinho, Ignácio do Nascimento Morteiro, era um senhor de aproximadamente cinqüenta e cinco anos, magro, forte, e que trabalhava de camelô nas feiras da cidade. Vivia metendo-se em encrencas nos bares e na feira. Como vizinho não era má pessoa, contudo, sempre discutia com as pessoas quando o assunto era futebol. Nunca houve nada de errado entre sua família e Heuribes, até a data de sua morte.

Como Heuribes não iria participar das festas e nem do velório, antes de viajar comprou dois presentes e também uma linda coroa de flores, escreveu três cartões um para cada motivo, colocou-os sobre os embrulhos e disse:

- Júnior venha até aqui.

- Que é pai? – respondeu o menino aproximando-se.

- Amanhã bem cedinho, eu não estarei aqui, e quero que você entregue estas coisas, nos endereços marcados.

- Tá bom pai.

- Mas leve um de cada vez para não fazer confusão.

- Tá.

- Leve cada encomenda com o bilhete que eu deixei. E não fique de brincadeira pela rua.

- Pai, o senhor vai para onde?

- Vou fazer um concurso na capital.

- Nós não vamos ao casamento?

- Não.

- A mamãe vai à festa de aniversário do Carlinhos?

- Não. Sua mãe vai ficar com a vovó no Hospital e você ficará aqui sozinho até ela voltar. Hoje você vai almoçar na casa da tia Clara e só depois vai ao aniversário.

A mãe de Júnior, que estava com a avó no hospital, era uma boa mulher, porém completamente distraída, o filho deve ter puxado este seu defeito.

Assim, no sentido de amenizar a dor da viúva, Caldeira escreveu para ela um cartão de condolências, e desculpou-se por não comparecer ao velório do vizinho, enquanto que para os festeiros, mandou cartões desejando muitas felicidades.

Pobre Heuribes Júnior, atrapalhado como ele não havia outro. Era um moleque que vivia mais na rua do que em casa, só tinha tamanho e safadeza, repetiu o terceiro ano na escola duas vezes, pensava apenas em comer, assistir a TV e soltar pipa. Deixou o que gostava de fazer para entregar as encomendas que seu pai lhe pediu e confuso causou um grande distúrbio nas vidas dos amigos do pai e também para família do vizinho assassinado.

Como sempre não prestou o mínimo de atenção no que estava fazendo e acabou trocando os cartões e também as encomendas que deveria entregar.

Aos noivos ele entregou a coroa de flores do morto e o cartão que deveria ter sido entregue ao pequeno aniversariante.

Chegando na residência dos noivos, bateu palmas, e esperou que abrissem.

- Oi. O Montanha está? - perguntou Júnior para a senhora que abriu a porta da casa.

- Não - respondeu a mulher.

- É que meu pai mandou dar essas flores e este bilhete para ele.

- Deixe aqui que eu entrego para ele.

- Tá bom, eu deixo.

- Obrigada - agradeceu a mulher.

Depois que entregou saiu correndo e cantando pela rua e quase foi atropelado por um carro que passou em alta velocidade.

A mulher ficou espantada com o presente que recebeu, mas não ligou, pensou até que fosse uma brincadeira, coisas de despedida de solteiro, que estavam fazendo com seu filho.

O cartão que o noivo recebeu, juntamente com as flores, dizia o seguinte:

“Amiguinho.

Espero que goste do meu presentinho.

Quero que você a use até que fique bem velhinha e murcha. E quando você for meter o pé nela quero que você me ligue, assim, eu e meu filho Júnior, iremos até a sua casa para chutar essa gorduchinha com você. Elas são feitas para isso mesmo.

Parabéns.

Do seu amigão Heuribes.”

Montanha mostrou a coroa e o cartão para sua noiva, ela ficou uma arara quando leu e acabou quebrando a coroa flores em mil pedaços.

Já o cartão que deveria ser entregue ao noivo, acompanhou o faqueiro com 24 peças e foi entregue para a viúva, que teve um infarto depois que leu e quase morreu. Seu marido havia levado 16 facadas, durante uma briga com um assaltante, ficou dez dias na UTI em coma e depois morreu. A família toda estava aos prantos, o velhote era o único que trabalhava na casa, sustentava a mulher e seus três filhos marginais, estes não passavam na feira para comprar e muito menos para trabalhar.

Neste cartão estava escrito o seguinte:

“Parabéns por mais uma vitória. Até que enfim você passou para o outro lado, afinal já estava mesmo na hora. Agora você não vai mais jogar bola no time dos solteirões e todos sentirão sua falta lá no bar, já que agora você não poderá aparecer lá. Será uma pena você não poder tomar umas cervejas com a gente.

Mas ficamos muito felizes por você e por sua mulher, tenho certeza que agora ela está mais feliz, já que ocorreu o que ela mais sonhava.

Não repare no presente que te mandei, afinal das contas foi você mesmo quem me pediu. Escolhi a marca que você queria e estão bem afiadas.

Do seu amigo Heuribes.”

Para o aniversariante Júnior levou uma bola coloria, era o presente certo, entretanto, durante o percurso até sua casa, começou a brincar com ela e acabou furando-a em uma cerca com espinhos. Ao chegar na casa do aniversariante, jogou o que sobrou do presente em um canto, entregou o cartão, que parecia ser um ótimo presente para aquele menino que ele mal conhecia e foi comer os salgadinhos e os doces.

O cartão que Heuribes Júnior entregou era o da viúva e neste estava escrito:

“Eu e minha família estamos tristes por este fato ter acontecido agora, desculpe a minha ausência, pois viajei para atender um compromisso. Senti com muito pesar o que ocorreu, mas depois de tanto sofrimento, o melhor mesmo era que ele pudesse descansar em paz.

Receba minhas condolências.

Heuribes Caldeira.”

A confusão foi muito grande e para saná-la foi muito difícil, pois não queriam ver a cara do Heuribes nem pintada de ouro.

Quando ele voltou da viagem e descobriu o que o filho havia feito, ficou louco de raiva.

- Júniooooooorrrr! Seu filho de uma... - gritou enfurecido - se eu te pego, eu te mato.

- Que foi pai?

- Já te mostro seu moleque. - tirou o cinto e correu atrás do menino, quando o alcançou bateu sem dó.

Os envolvidos diretamente no caso ficaram loucos de raiva, o noivo chamou até a polícia. Quando seus amigos e conhecidos, ficaram sabendo o que aconteceu, riram e zombaram dele, que foi falar com o ex-amigo.

- Onde você está com a cabeça Heuribes. Pediu para eu usar minha mulher até ficar velha, a chamouela de gorduchinha e até queria me ajudar a chutá-la? - reclamava o noivo inconformado.

- Montanha não é nada disso que você está pensando, ocorreu uma pequena confusão - tentava se desculpar, enquanto corria para não apanhar.

- Eu vou é te dar umas porradas seu cachorro.

- Calma Montanha. Foi um engano.

- Vou te mostrar o engano.

Apanhou muito do Montanha, que não admitia nenhuma brincadeira ou intimidade com sua noiva.

Com o chefe foi ainda pior. Rojão acabou estourando, ficou muito furioso, e disse:

- Heuribes, eu pensei que fossemos amigos, mas você ter ficado triste com o aniversário do meu filho. Pensou que era um sofrimento para eu ter um filho como ele e ainda querer que ele descansa-se em paz, isso é o fim.

- Foi o Júnior que se atrapalhou e mandou...

- Que mandou que nada, eu é que vou te mandar embora da firma, seu incompetente. Achou que passaria no concurso e me fez aqueles desaforos.

- Fique calmo Rojão. Que eu posso explicar tudo.

Ele tentava explicar, mas o chefe não queria entender, queria só descontar sua ira nele.

Ele não escapou nem da viúva, que mandou os filhos lhe dar uma surra.

- Você queria que ele morresse, só para não jogar mais bola com você, isso é um absurdo - disse a viúva desconsolada depois que saiu do hospital e ainda sentida pela perda do marido.

O filho mais velho da viúva era um cara super estranho, falava usando gírias, e jurou Heuribes de morte.

- Pô meu, o pai sempre foi gente boa com você, cara. E você faz esta brincadeira com a gente - ele estava inconformado com as facas que o Júnior havia levado no enterro.

- Calma, Zé.

- Eu vou é te matar.

Mas tudo foi resolvido com o tempo. Ele trocou os presentes e pediu desculpas até mesmo para o morto lá no cemitério.

Júnior, hoje em dia, está fazendo aulas de reforço com um professor particular, logo depois que vem da aula de inglês. Tudo isso porque seu pai quer deixa-lo esperto. Os hematomas, causados pela surra que ele levou na semana da confusão, logo se curaram, no entanto ele apanhou outras vezes, isso fez com que ele prestasse mais atenção naquilo que as pessoas encarregavam-no de realizar. Porém, essas surras não o impediram de fazer outras besteiras durante sua vida.

Pobre Heuribes, além de perder as duas festas e o enterro, ele acabou não passando no concurso que fez.

Ainda continua no mesmo local de trabalho, em um cargo inferior ao que ocupava. Rojão o desculpou pela troca dos bilhetes, porém por querer mudar de emprego, prestando um concurso, acabou foi mudando é de cargo.