O menino que gostava de cultivar flores
Por Mathias Gonzalez
Eu tinha 8 anos de idade quando uma vizinha e amiga de meus pais entrou em nosso quintal para ver umas plantas e ficou boquiaberta com a coleção de orquídeas que estava numa área reservada, destacando-se das demais flores.
- Dona Albertina... que coisas mais lindas são essas flores!! Onde a senhora as conseguiu? Nunca vi nada tão perfeito e belo em toda a minha vida.
Minha mãe sorriu um pouco embaraçada e respondeu:
- Olhe... na verdade eu nem sei. Acho que são de vários lugares... Mas são muito lindas, não são?
- De vários lugares?! Quer dizer que são do exterior, dona Albertina? Quem trouxe para a senhora?
Minha mãe teve que se explicar melhor diante da insistência daquela senhora que nem se importou com as dálias, rosas, cravos, copos-de-leite, margaridas, boninas e gerânios que havia no quintal. Os olhos dela estavam fixados nas orquídeas.
- Veja bem... - disse minha mãe gaguejando – essas flores foram trazidas por meu filho, o Mathias...
- O Mathias?!! Seu filho caçula?!! O que tem 8 anos?! – indagou a mulher ainda mais boquiaberta.
- Sim, ele mesmo. Ele começou trazendo uma, depois outra e quando vimos já tinha essa coleção imensa. São mais de dez espécies diferentes. Cada uma mais linda do que a outra...
- Meus Deus! Que coisa!! Nunca ouvi falar numa coisa dessas. Um menino que gosta de cultivar flores?! – disse a vizinha, balançando a cabeça e com uma das mãos no queixo, sem tirar os olhos das minhas orquídeas.
A conversa continuou animada até a chegada do meu pai, morto de fome e com a cabeça cheia de problemas para resolver. O senhor delegado, durão, tenente da polícia, tinha uma missão excepcional antes de regressar para o trabalho: olhar as minhas orquídeas. Ele era uma espécie de guardião, sentinela das minhas raridades... ou melhor, de tudo quanto eu fazia, criava ou dizia.
Foi lá que ele ouviu parte da conversa entre minha mãe e a vizinha quando esta, ainda perplexa, indagou baixinho:
- É... eu sei... tem menino que não gosta de jogar bola... que não gosta de brincar de luta... gosta é de bonecas e de coisinhas mais delicadas, não é? Acho bom a senhora tomar cuidado com o Mathias... a gente nunca sabe, pode lhe causar um desgosto, não é?
Meu pai aproximou-se da mulher, engrossou ainda mais o vozeirão e disse:
- Dona Fulana... estou admirado com essa conversa. Então a senhora está achando estranho meu filho gostar de flores... gostar de cultivar orquídeas, é isso mesmo?
A mulher que não esperava ter a conversa captada pelo afinado ouvido do delegado. Ficou pálida como uma vela de sétimo dia. Respondeu gaguejando e se tremendo dos pés à cabeça:
- Ahhh... não seu Januário... não é isso não... Eu estava falando aqui para a Dona Albertina que seu filho tem muito bom gosto... tem mesmo...
Meu pai continuou.
- A senhora sabe como é o nome dos homens que cuidam de flores?
- Jardineiros... – respondeu a mulher trêmula.
- E os homens que fazem ternos, roupas em geral?
- Costureiros... quer dizer... alfaiates...
- E quem são os homens mestres na culinária?
- Bem... são os cozinheiros, os mestres-cucas...
- Ahhh então estou vendo que a senhora sabe das coisas, mas está espantada por meu filho homem gostar de flores. Pois saiba a senhora que não existe isso de profissão de homem e de mulher. Todos os seres humanos podem ter gostos para qualquer coisa e ninguém tem nada com isso. Sua filha pode querer ser mestre de obra, motorista de táxi, torneira mecânica e daí? Isso a fará ser uma “machorra”?
- Ehh... ahh... claro que não seu Januário. O senhor me desculpe, viu? – disse a mulher pedindo licença e se retirando de fininho. Mas não foi sem antes ouvir meu pai olhá-la nos olhos e dizer pausadamente:
- De hoje em diante, a senhora aprenda a respeitar as pessoas, viu? Não se meta com a vida de ninguém. Deixe que cada um faça da sua vida o que quiser, goste do que quiser, desde que não esteja cometendo nenhum crime. Cada um deve ser feliz à sua maneira. Meu filho é feliz cultivando flores, fazendo desenhos, cantando, escrevendo poemas e contos. Ele também joga bola e brinca com os outros meninos. Tudo o que eu quero é que ele cresça fazendo que gosta. Para mim isso é o essencial. Agora me dê licença que tenho que almoçar.
Eu soube daquela história contada por meu pai, anos depois. Ele continuou por muitos anos me dando apoio para que eu cultivasse minhas orquídeas e outras flores exóticas, cactos, etc. Esse gosto me segue até hoje. Por onde passo, sempre que vejo uma flor desabrochando fico emocionado e me lembro da infância. Em minha casa, sempre há uma flor viva em algum vaso desabrochando. Ao redor de meu prédio, trago sempre orquídeas para embelezar os jardins e durante a maior parte do ano elas florescem não apenas para mim, mas para todos que sabem apreciar a sua beleza ímpar.
Penso que se cada pessoa neste mundo cultivasse uma flor, o mundo ficaria muito mais alegre e feliz. Muito mais perfumado e colorido. Por que você não tenta? Quando eu comecei a plantar orquídeas na área externa do meu prédio as pessoas diziam que iriam roubá-las, mas isso nunca aconteceu. E se alguém levar o que vai fazer? Colocar em casa e ficar admirando? Vai vender para quem gosta de orquídeas? Não me importa. A verdade é que planto orquídeas e há sempre alguém cuidando delas quando eu não estou por perto. As pessoas precisam aprender amar o que é belo sem destruir nada.
Outro dia eu falarei um pouco mais sobre as orquídeas. Veja as que fotografei no dia 7 de setembro de 2013 para lhe mostrar, para lhe presentear. Com o desejo de que a sua semana seja rica de cores, alegrias e muito amor.
Mathias Gonzalez
www.somenteparamulheres.com.br
Psicólogo, escritor e jardineiro nas horas livres.
Link para ver as orquídeas que fotografei:
https://www.facebook.com/media/set/?set=a.178536862329524.1073741834.100005196336947&type=1