SECRETOS SEGREDOS NUMA NOITE SEM LUA

Era noite e a lua não dera sua cara. O dia, chuvoso e taciturno, não cedera e nenhum sorriso passou pelo caminho. Assim, foi aquele dia: chuvoso e taciturno. O céu plúmbeo parecia tornar os semblantes igualmente plúmbeos, de modo que não havia a mínima possibilidade de um sorriso perdido na multidão.  

Todo aquele instante, perceptível apenas no instante vivido, não poderia deixar sua marca. Mas chegada a noite, e sem lua, não poderia esquecer que o dia passara e, mesmo  sem tê-lo notado, ali estavam os mesmos sentimentos que vivera antes da chegada da noite; o dia deixara marcas.

Não fez nada. Chegara a hora de fazer o jantar, esperar pelo pai das crianças, talvez ligasse a TV, mas naquela noite, especialmente naquela noite, sem saber as razões, se é que havia alguma, não estava disposta a repetir os mesmos gestos. Não queria repetir os mesmos movimentos repetidos durante anos, não sabia, mas naquela noite sentia que algo de novo estaria por vir. E ignorando as razões, no seu íntimo, desejava realmente que algo de novo acontecesse.

As crianças, entregues às brincadeiras e desatentas como são as crianças na idade em que os problemas dos adultos não lhes diz respeito, também naquela noite nem notaram quando a porta bateu. Não ouviram o barulho nem o tilintar de chaves provocado pelo estrondo; de modo que, a chegada da esposa do seus pais, diferente de outros dias, não lhes chamou a atenção. Assim, e agradecendo que dessa maneira não seria importunada, nada fez. Apenas entrou.

A noite já avançava e a lua, embora devesse, segundo o calendário, ser noite de lua cheia, estava ausente. A escuridão, fria e desproporcionalmente alheia aos desejos mais secretos, não permitia, e nenhuma viva alma arriscaria, que se transitasse pelas ruas e vielas do vilarejo. De modo que de tempos em tempos passos apressados podiam ser ouvidos; certamente eram passos de passageiros do trem que atrasara, fato corriqueiro quando se negligencia serviços públicos nas mão de empresários ávidos pelo lucro fácil.  De modo que o silêncio da escuridão só era rompido quando outro trem chegava  à estação.

 "A vida como um rascunho para a obra que escrevemos enquanto vivemos", como um mantra, repetia para si desde que lera num poema tirado a esmo dum livro que ganhara de presente. E naquela noite aquela frase lhe trazia um significado diferente: parecia que, especialmente naquela noite, a frase que adotara como guia a conduzí-la pela vida, especialmente naquela noite lhe fazia pensar dos tempos em que a velhice, ou o que ela traz consigo, não passava de algo tão distante como a lua. Mas naquela noite, contrariando outras, não podia deixar de pensar que a velhice tomara conta do seu íntimo.

As crianças,  mergulhadas nas brincadeiras, nem notaram que da cozinha não vinha cheiro denotando que algo estava em preparo. Não notaram que a porta, fechada bruscamente pelo vento que aquela noite trazia, estava hermeticamente fechada

a ponto de se fosse necessário dirigir-se para pegar um simples copo com água, precisaria da ajuda de um profissional.  

De modo que até aquelas altas horas, ninguém havia ido aquele espaço da casa.

Sozinha no seu quarto e despreocupada com o jantar e com a chegada do pai dos seus filhos, naquela noite fria e sem lua, sentou-se na cabeceira da cama. Assim ficou, e por um instante tão breve e sem tempo marcado, resolveu que naquela noite colocaria em prática  planos traçados ainda nos tempos da faculdade.

Sabia, e desde criança trazia isso no íntimo da sua alma, que tudo que pudesse contrariar seus mais secretos desejos seriam metodicamente analisados. De maneira que tinha por hábito ler manuais de lógica e silogismos, embora não concluíra o ensino superior, tempo em que engravidara e desse fenômeno, fartamente alimentado pela mãe e tias, dera à luz a gêmeos. 

Não tinha por índole, e nem por capricho, permitir-se que vozes alheias, mesmo que de familiares, influenciassem suas decisões. Por atender sempre ao que seu coração dizia que, por vezes, era mal interpretada e já pagara elevado preço por levar adiante decisões que aos olhos dos moradores daquele vilarejo, não correspondiam ao que se dizia no púlpito durante a pregação aos domingos.

As crianças brincavam. A noite era fria e a lua não dera sua cara. 

As crianças, naquela altura das horas deveriam estar dormindo, mas a considerar que não iriam à escola no dia seguinte - a escola, ao contrário da empresa onde trabalhava seu pai, não abria aos sábados - de modo que àquela altura das horas, ainda brincavam. E absortas naquele universo tão fundamental quando se tem em mente que o tempo não apressa sua passagem, elas, que até àquela hora não tinham jantado e, pela dedicação que dispensavam a seus afazeres lúdicos, não demonstravam nem os mais microscópicos sinais de fome. Brincavam.

Tomada de uma súbita vontade de rever fotografias, algumas já amareladas pelo tempo, sabia que aquela, talvez, não fosse a melhor maneira de ir a encontros que por anos ficaram esquecidos. Mas desde que o sol cedera à noite que avançava, não lhe passava pela cabeça nem um fio de vontade de desistir. Aprendera que a vida não é uma estrada que só a alguns é permitida caminhar, aprendera, desde que se conhecia por gente, que a vida se faz e refaz a cada segundo enquanto se respira. Por isso, cada passo e gesto eram meticulosamente analisados. Rever e revirar aquelas imagens, não sabia, mas podiam-lhe trazer à lembrança sistemas emocionais que tentara superar por anos a fio em terapias e psicanálise. Porém no mesmo instante que reconhecia possuída de certa fraqueza diante daquelas fotografias, também era invadida de uma força interior que lhe fazia capaz de enfrentar leões e até exércitos; levaria a cabo aquele revirar de imagens, era preciso.

Os gêmeos, encantados pelas brincadeiras constantemente renovadas, aquela altura da noite e isenta de lua, como se fossem seres em perpétuo movimento, não demonstravam mínimos sinais de fome. Suas energias vitais pareciam auto-renováveis somente pelo prazer de estarem ali, naquele simples tempo disponível para poderem ser o que realmente eram: crianças, cuja única preocupação era apenas brincar. De modo que, àquelas horas não lhes poderia causar a mais sútil decepção por estarem ignorando o que se passava no cômodo contíguo ao escritório do pai que não chegara. Apenas brincavam.

À cama, lençóis remexidos e cobertor ao chão, apenas uma avalanche de lembranças congeladas em fotografias há muitos esquecidas. Relembrar o que por muito tempo se tentou esquecer, para ela, que tinha por princípio não se prestar a trabalhos arqueológicos, despertou no mais íntimo e pessoal do seu ser sensações tão estranhas que jamais tivesse sentido. Mas, contrariando o calendário, aquela noite fria e sem lua, após um dia plúmbeo com pessoas de faces plúmbeas, reacendeu desejos traçados ainda quando não sonhava com a palavra mãe.

As brincadeiras seguiam ritmos tão próprios que somente por uma leve demonstração que a vida reclamava por manutenção, um dos gêmeos, o mais travesso nas opiniões de tios e avós, fez sinais de que a fome, ignorada até aquela altura da noite, parecia querer instalar-se,  a despeito de convite. Mas, como tudo nessa tenra idade o tempo se mede pela régua da pressa em aproveitar-se de todo o tempo que se dispõe para outras aventuras, a fome se perdeu num canto qualquer do cérebro, como uma brincadeira que não despertou interesse e logo foi trocada por outra. De modo que, àquela altura da noite fria e sem lua, as crianças desconheciam se na cozinha fogo e fogão estavam sendo usados no preparo de algo para o jantar. Somente brincavam.

Solitária habitante naquela cela conjugal e sobrevivente numa cidade vencida pela cinza névoa que avançava pela noite, para ela, que remexera tantas e tantas vezes aquelas fotografias, naquela noite fria e sem lua, o tempo passado parecia revivido. De modo que, novas sensações, nunca antes sentidas, pareciam despertar pensamentos proibidos que, não fosse a decisão de seguir em frente com o plano traçado,  certamente abandonaria em nome e memória de uma educação apreendida ainda nos tempos da escola infantil. Todavia estava disposta a experimentar outras alegrias. E, como um guerreiro a caminho do encontro com o inimigo, naquela noite ausente de lua, ela, que não desconhecia a estrada que por muito tempo percorrera, decidira dar forma e conteúdo à íntima batalha que seu ser enfrentava. Era preciso. Era necessário que a memória desse sinais  vívidos de que o tempo transcorrido não fora suficientemente capaz de apagar o que se fixara tão rigidamente, pois, sobre a cama, espalhadas e com claros sinais de que foram inúmeras vezes tocadas, aquelas fotografias, mais do que simples imagens congeladas,  continham secretos segredos que anos a fio de terapia e psicanálise, não foram capazes de fazê-la esquecer. Era preciso; era necessário ouvir o passado.  

 A polifonia de vozes vinda da rua lhe atraiu a atenção, de maneira que, se a curiosidade era uma fraqueza que só se instala em espíritos despossuídos de certa magnanimidade, ela, aquela noite, porém, rendeu-se aos encantos que o mistério provoca quando se está só e disposta a transitar por atalhos jamais imaginados. Era para ela, que nunca se permitira tais conjecturas, a possibilidade de se redescobrir numa noite em que névoa e ausência de lua reativaram desejos guardados como joia rara. Estava disposta, estava certa, mesmo que sua decisão lhe expusesse às mais severas críticas, mesmo que, a despeito de todo o esforço empenhado em pertencer àquela sociedade, aquela noite fria e sem lua, como um raio que o céu manda anunciando a tempestade,  aquela noite iria conhecer a leoa que habitava uma lebre. Não era mais o tempo da espera; era o tempo de ação. O tempo de paz, de paz às custas de tristeza, sofrimento e mentira, não mais existia. Era o tempo da guerra, da guerra travada com verdade e sem conveniências. Da guerra, íntima e que se perpetua, às vezes adormece e fica por tempo que não se pode determinar, mas que, vez ou outra, a despeito de vontade e descontrole, invade feito comporta que se rompe e avança abrindo caminho  e leva tudo que está à frente. Naquela noite, fria e sem lua, sua guerra fora declarada. Era preciso, era necessário ir a campo.

As altas horas da noite não fez com que as crianças tomassem ciência do que acontecia no quarto ao lado, pois, como para toda criança o mundo dos adultos, mais do que cheio de problemas e improvável de se viver em constante harmonia, em nada lhes prendia a atenção. De modo que, àquelas horas nada, absolutamente nada, era mais importante do que brincar. E assim, brincavam.

No quarto, onde, inomináveis pensamentos, alheios à batalha que se travava naquele espírito educado sob rígidas normas de comportamento perpetuado por gerações, ela, que naquela noite resolveu romper as correntes que lhe prendiam, à janela, observava a rua, agora, calma e serena, fria e sem lua. A rua que de tempos em tempos, era invadida por estrondosa multidão saindo da estação ao desembarcar do trem que estacionava na plataforma.

No quarto, silenciosa fecha as  janelas. O tempo que ficou à janela não dissipou lembranças, nem, tampouco, permitiu que se assinasse e o acordo de paz. Aquelas fotografias e as imagens que nelas a luz havia gravado e congelado a passagem do tempo, aquelas fotografias tornaram a lhe despertar a atenção. Das muitas que tornou a tocar, numa em especial ficou por mais tempo. Dos rostos ali estampados, alguns já nem lembrava o nome, mas, havia um, havia aquele rosto que ocupou toda sua vida, havia o sorriso, a boca e os cabelos que por longas noites invadiram seus sonhos. Nada mais importava, estava decidida, aquela noite fria e sem lua, trouxe consigo a névoa, e também a irrevogável decisão de travar a guerra que por longos anos evitou. Era preciso, era necessário.  

As crianças já nem mais sabiam o que era fome ou o que era sono, de modo que, àquelas horas um dos gêmeos, talvez por instinto de sobrevivência, resolveu  dirigir-se à cozinha. Não sabia que horas eram, nem tampouco, se havia algo em preparo no fogão. Ao forçar a maçaneta da porta, deparou-se com a porta trancada. Ignorava que se alguém estivesse lá dentro. Forçou, forçou e forçou. Vencido pela resistência da porta em abrir-se, era criança e isenta da força bruta tão comum nos adultos, desistiu e voltou ao cômodo onde estava seu irmão.  Trocaram olhares e, por um breve instante, pareceu que, em pensamentos, conversaram.  Igualmente pareceu que respostas foram dadas, porém, se algo fora perguntado e respondido, ficou só em pensamentos, de modo que, o que vira da cozinha sentou junto ao que ficara e, sem dizer uma palavra, reinicia a brincadeira que interrompera. Não trocaram palavra. Brincavam.

Tomada de uma forte sensação de que algo ou alguém vinha pelo corredor que separava seu quarto do restante da casa, e sem tempo para ocultar aquelas fotos espalhadas pela cama, ela, por um impulso e receio do que aquelas fotografias pudessem suscitar,   recolhe o cobertor que repousava no chão.  De modo que, a despeito da finalidade que se dá a um cobertor,  naquele breve instante, à peça, felpuda e de listras vermelhas, deu a função de, para as  circunstâncias que o momento exigia, ocultar seus mais secretos segredos. Era preciso, era necessário evitar que inesperadas visitas adentrassem naquele recinto. Recinto que por muito tempo tornara-se testemunha de noites solitárias  e pensamentos proibidos.

Não tardou e a suspeita cedera, de modo que, o susto que lhe impusera providências rápidas e certeiras, dissipou-se com a certeza de que transitava pelo corredor o gato que os gêmeos ganharam quando completaram sete anos. Era um gato franzino e preto, que por falta de originalidade na escolha de um nome, chamavam-lhe  pelo nome de Preto.

Aquelas altas hora  da noite já não se ouviam as crianças; nem se brincavam, de modo que, o cômodo, antes palco das mais e felizes aventuras, denotando que ali habitam seres, cuja única função era brincar, naquele instante apenas, e somente apenas, o cômodo, antes palco e cenário de seres do espaço, naves espaciais, navios piratas e tantas outras aventuras, estava em completo silêncio. De maneira que naquela noite  fria e sem lua, e aquelas  horas, o silêncio indicava que as crianças dormiam. Mas, de onde vinha aquele vozerio, de onde ou de quem eram aqueles sussurros indicando que o aparente silêncio não passava de mera aparência. Estavam as crianças dormindo? Se sim, então algo ou alguém, além das crianças e da mãe, estavam naquele recinto. Poderia ser o gato, mas, gatos não sussurram e, menos ainda, não caminham com passos tão firmes que se escuta o toc toc.  Era preciso, era necessário aguardar.

Sobre a cama, espalhada como uma adolescente perdida em pensamentos apaixonados, ela, somente ela, consigo e para consigo, não dera permissão para que a memória dormisse, ou que viajasse para os mais remotos mundos do nosso ser. De modo que, naquela noite fria e sem lua, vencida, porém, não derrotada, pelas lembranças que naquela noite resolveu, ao contrário da lua, dar as caras. Não estava, por isso, infeliz; estava, a bem  da verdade radiante como se voltasse aos tempos de escola. Ela que por muito tempo vivera como uma ostra, enclausurada naquele mundo, mundo, para ela, inabitável, inconcebível, triste e plúmbeo. Era preciso, era necessário não desistir.

A noite era plúmbea, ar estava plúmbeo, mas, estava decidida, naquela noite, tudo que planejara, tudo com que sonhara, tudo com que se calara, naquela noite, especialmente  naquela noite, ela, que por muito e muito tempo, cedera às boas maneiras, às regras e às conveniências, naquela  noite, como uma borboleta que ganha a liberdade tão logo se rompe o casulo, naquela noite, como um barco em alto mar sem remo e sem rumo, entregue ao vento, ela, estava decidida; seria naquela noite, naquela noite fria e sem lua, que a leoa engoliria a lebre.   

No quarto das crianças, que dormiram sem jantar, o sussurro do mesmo modo que começara, parara, de modo que, não seria possível precisar o que realmente eram. As crianças dormiam. De modo que, vencidas pelo sono, ou pela fome, sabe-se lá, elas, certamente não poderiam testemunhar sobre os sussurros que, ouvidos pela casa, não foram bastante fortes a ponto de acordá-las. 

Assim, a bem da verdade, ninguém, naquelas circunstâncias, poderia afirmar o que ouviram, ou teria sido apenas manifestação intuitiva daquela sensação que às vezes sentimos que alguém nos olha, mas, quando nos viramos, nos damos conta que eram somente e apenas intuições sem importância. No quarto as crianças já não brincavam, no cômodo adjacente, apenas ela estava só com suas memórias em vulcânicas explosões a lhe levar a pensamentos há muito, e por razões que, fossem tornadas do conhecimento público, ao menos naquela sociedade, certamente a colocaria no púlpito como uma pessoa de comportamento desviante dos bons caminhos.

De modo que, nem ela se dera conta se seus filhos dormiam ou se o pai havia chegado; estava, aquelas altas horas, entregue às mais remotas lembranças reavividas por aquelas fotografias. Ainda jazia sobre a cama. Entregue, despudoradamente entregue, a seus mais secretos desejos, não notara que uma nova onde de passantes avançava pela rua. À janela, debruçada, em posição inclinada com os cotovelos sobre o parapeito, tímidas, porém, irremediáveis decisões, aquela noite fria e sem lua, fariam daquela noite banhada pela névoa, a noite da sua alma. Noite em que, a despeito e contrariando regras há muito mantida sob rígidos controles dos comportamentos sociais. Era preciso, era necessário, antes que a noite terminasse, e para que os anos perdidos em sonhos e planos adiados, e de lembranças adormecidas, naquela noite, tomada pela névoa e sem lua, ela colocasse no oceano da vida seu barco em direção ao porto que sempre sonhara.

A noite ainda resistia em ceder à madrugada, de modo que, de súbito, invadida por sensação de vazio interno, ela, que até aquelas horas, não se dera conta por quanto tempo ficara ali, naquele quarto, cuja mobília e decoração nunca atraiu sua atenção, naquele milésimo de segundo em que a razão pareceu impor-se, como um rio que avança sem obstáculo à frente, naquela noite, por aquele milésimo de segundos, rendeu-se às obrigações de mãe. De maneira que, abandonando sobre a cama aquelas fotografias, adentrou no quarto das crianças que dormiam. Ficou ali parada, nenhuma palavra e, nem tampouco, qualquer tentativa de acordá-las. Ali ficou, apenas olhando. 

Uma leve nascente de lágrima se formou na sua face. Já se passara tanto tempo desde que toda noite juntava-se aos gêmeos e lhes contava histórias que não se lembrava mais quando fora a última que, embora, ainda, fossem crianças, com eles adormecera. A lágrima escorreu e deixou, sobre a maquiagem, uma leve trilha denotando que chorara. Era preciso, era necessário, naquela noite, sob riscos e críticas, das quais pudesse ser alvo, decidir se levaria a cabo planos há muito traçados.

Todavia, o sentimento e o instinto de mãe, ao ver que seus filhos dormiam sem a preocupação dos adultos, fê-la retornar ao cômodo que, por algumas horas e reativados por aquelas fotografias, fora testemunha dos seus mais íntimos e secretos desejos. Ao abrir a porta e adentrar sentiu uma estranha sensação. Não disse nada. Pegou uma das fotografias e, como quem quer demarcar algo que fique para a posteridade, no verso anotou "é amargo entrar num ambiente onde alguém que vive belamente arrumou tudo como uma reiteração visível da sua alma, mesmo aceitando  com uma submissão total  do próprio ser". Guardou as fotografias, fechou a janela...