o barulho dos olhos

Tamanha era sua dificuldade em interpretar silêncios, que mal ela sabia como conseguia usufruir tanto dele quando fazia questão de atingir alguém. Ainda se sentindo triste, foi dormir acreditando que tudo ficaria bem pela manhã, e pra garantir livrar-se da culpa, prometeu a si mesma que nunca mais deixaria qualquer pessoa sem resposta. Diria palavras torpes e feias se precisasse, mas emitiria qualquer som que demonstrasse o que sentia. Achava que isso aliviaria a dor de quem esperava a resposta, mas nunca assimilou o fato que pudesse fazer bem a si própria. Sequer percebia que até suas promessas eram feitas em silêncio. Dormiu e sonhou que estava gritando num deserto. Gritou a noite toda sem que ninguém ouvisse e acordou sem voz. Olhou para aquele com quem ela havia trocado mágoas no dia anterior, ainda com esperanças de que toda a poeira estaria embaixo do tapete. Nem precisou dizer nada, e talvez ela nem mesmo fosse dizer. Ele permanecia com o silêncio arrepiante de ontem, e ela notou que ele trazia os olhos duros. E assim, dizendo tudo sem dizer nada, passavam dias sem perceber o quanto os olhos e os silêncios estavam escancaradamente entregando. Até que toda a poeira fosse pra debaixo do tapete e tudo voltasse ao normal. Como se nada tivesse acontecido.

Marília de Dirceu
Enviado por Marília de Dirceu em 07/09/2013
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