Ruídos
Levantou-se no meio da noite, incomodado. Percorreu cada um dos cômodos, em vão. Sentou-se na cama e passou a observar o quarto como se fosse totalmente alheio a ele. Notou a pequena rachadura na parede, teve medo, ficou alguns minutos observando a junção das cores no quadro sob a escrivaninha. A lua que lá estava era como se fosse real. Encantava-lhe admirá-la e perder-se na sua luz. Mas era uma luz reproduzida, não natural e quando se dava conta disto, deixava cair o olhar. Voltou a si num pensamento entrecortado, incerto. Deixou pra trás a lua e seu brilho forçado. Haveria lá fora uma lua tão bela e de brilho natural? A ciência lhe diria que não. Seu coração não era de dar respostas e a cabeça tão pouco estava preparada para a filosofia. Voltou a caminhar pela casa e desta vez sentou-se na poltrona da sala. Tinha certeza de estar sozinho, mas o incômodo e o ruído eram cada vez maiores. Sentiu angústia. Encarou a almofada vermelha de frente, como se ela representasse cada um de seus desafios, medos, desejos. Fez-se imponente e regojizou por se sentir superior. Correu um vento, a almofada caíra no chão. Estava certo e ciente de sua vitória. Levantou ainda em êxtase e retornou ao quarto. Deitou, sentou-se, levantou e percorreu a casa novamente. Na cozinha parou diante da geladeira. Não abriu a porta, mas perdeu-se na profundidade daquele branco. O ruído aumentara tal e qual a sua impaciência. Esteve imóvel, calado. O silêncio não resultava. Abriu a porta da geladeira e sentiu frio. Não tirou nada lá de dentro, mas viajou por cada prateleira como numa volta ao mundo. Passeou por campos asiáticos, enfrentou savanas africanas, se deliciou com a arte europeia, ficou irrequieto com as ondas da Oceania e voltou calado, percorrendo as trilhas atlânticas da América. Lá ficou estanque. Sentiu sede. Fechou a porta da geladeira. Não havia tirado a garrafa de água. Voltou a abrir a geladeira, passou a encará-la novamente. Viajou. Fechou a porta. Seguiu para o quarto mais uma vez. Teve sede, sentou-se na cama, desesperou-se. Levantou, acendeu as luzes e vasculhou cada cômodo. Nada. Era já agora um barulho imenso. Inatingível. Solitário. De volta à cozinha abriu uma gaveta do armário, pegou um caderno, uma caneta. Sentou-se à mesa da sala de jantar e escreveu. Os ruídos da caneta no papel fizeram contraponto ao barulho insuportável que vinha do desconhecido. Não o venceu, juntou-se a ele. Cansado, escreveu poucas linhas. Sentiu-se vão e vazio. O barulho cessou. Adormeceu na mesa.