As viagens de Anna

Anna entrou no ônibus e logo sentou, como se tivesse sentido o peso do mundo cair em suas costas. Ouviu-se um pequeno gemido quando se encostou à poltrona. Ajeitou-se corretamente. Há anos sentia dores na coluna. Pensava ser por causa do excesso de peso que sempre carregara, afinal, as compras para a família não saíam por menos de quinhentos reais. A paisagem lhe pareceu tão tentadora: o mesmo caminho lhe dava novas esperanças, porque nem que uma folha caísse, o cenário mudaria completamente, entraria em outro estado de frenesi.

- Seu Manoel(dando ênfase para a sílaba tônica no “e” e a ocultação no “o”). Bom dia. Anna falara para o trocador que fazia a linha há mais de cinco anos.

- Bom dia, querida Anna. Supermercado cheio hoje?

- Quando tem promoção você já imagina, né. E riu, esquecendo-se do diálogo para concentrar-se no que viria a seguir.

As pessoas, famosas por serem “conhecidas de vista” comportavam-se como fantasmas: entravam e saiam numa invisibilidade que chegava a doer. Queriam tanto não estar ali. Não serem observados da cabeça aos pés porque não deveriam. Certo? Engraçado, pois essa rotina de se esconder virara um costume tão sombrio que Anna não se conteve, soltando uma estrondosa gargalhada em seu banco.

Seu ponto, que na verdade ficava a cinco minutos de sua casa, ainda estava longe, então aproveitou para ajeitar as sacolas em cada mão. Seus dedos brancos haviam mudado de cor: o vermelho agora configurava sua força. Uma gota de suor tocou seu rosto, enquanto tentava refrescar-se com um saco de compras geladinho tocando sua perna direita.

Um pensamento a perseguia nessas viagens. Talvez todos pensassem do mesmo jeito, mas ela gostava da simplicidade(em sua forma) que ele tornara-se: aonde eu gostaria de estar agora? Piscinas, praias, iates, shoppings, hotéis caros, restaurantes sofisticados, casas de campo... As mesmas imagens vinham com tanta intensidade que era difícil controlar. Mas hoje uma cena em especial ocorreu-lhe: corria despreocupadamente no topo de uma larga montanha. O vento, ah, como estava fresco, quebrava em seu rosto em várias ondas contínuas... ela não podia deixar de sorrir abertamente. Os braços, abertos, iam de encontro a não sei o quê. Mas ela continuava em frente. Até que avistou um banco na beirada do penhasco. Sentou-se sentindo as batidas tomarem-lhe a boca. Cruzou as pernas e ficou a observar a imensidão azul que agora tomava também seus olhos.

- Anna, minha querida, chegou. Manoel a tirou do completo devaneio, fazendo-a apressar-se com as sacolas, que no momento pareciam tão pesadas. Pensou estar levando o mundo nas costas.

Quando seu pé tocou o chão, percebeu que um dia gostaria de alcançar sua montanha favorita.

Mariana Rufato
Enviado por Mariana Rufato em 31/08/2013
Reeditado em 31/08/2013
Código do texto: T4460378
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