Caixa de Pandora

Há vinte anos, quatro crianças brincavam despreocupadas, alegres, cheias de energia, apaixonadas pela vida e, algumas vezes, chateadas com os adultos. Em um dia, sem muito para fazer, surge a idéia de enviar mensagens para o futuro. O futuro delas. Numa caixa de ferro, colocam cada um, mensagens endereçadas para os adultos que um dia os quatro serão. Apelidaram-na de caixa de pandora (coisa de quem gostava de mitologias), enterraram-na e fizeram um mapa do local. Vinte anos depois, adultos, cada um toma o seu rumo. Um telefonema da irmã de um deles acaba por reuní-los. "Meu irmão morreu hoje". Cada qual, retorna à antiga cidade para dar o último adeus ao amigo. Reunidos pela dor, relembram os laços de amizade, rompidos pelo tempo. Há 10 anos, até mantinham certo contato, porém, restrito.

Durante o velório do amigo, lembraram dos tempos de outrora, das paixões de escola, das reuniões na casa de árvore, dos jogos de taco (com paus de lavar roupa e latas de azeite), dos banhos de sanga. Aquele reencontro só não poderia ser considerado especial por causa da ocasião: a morte daquele que era, na infância, o melhor amigo dos três. Após o enterro, trocam celulares, mas em seu íntimo, sabiam que isso poderia não mais ocorrer. Há 20 anos, eram eternos amigos. Hoje, traídores da infância vivida, eram praticamente três estranhos. Despediam-se. Cada um iria retornar para a sua vida. Eis que a irmã do amigo falecido surge com um envelope. "Ele queria que vocês ficassem com isso". Abriram e, dentro, um envelope. Surpresa e emoção. Era o mapa da caixa de pandora.

Com o mapa, os três amigos cavavam próximo a um pé de cáqui, onde haviam enterrado uma caixa de ferro contendo mensagens escritas há mais de vinte anos, quando eram crianças. Durante esse tempo, o mapa esteve em posse do 4° amigo, cujo falecimento resultou na reunião da velha turma. Encontraram a caixa. A primeira mensagem: "não queria crescer. Os adultos são chatos, brigam tanto. Mas espero não ser um adulto chato que não saiba entender as crianças". Riram da idéia. Segunda mensagem: "quero casar com a Thaís. Eu a amo mais do que qualquer coisa no mundo. Outro dia, ela me deu um beijo no rosto e isso foi a melhor coisa que aconteceu na vida. Me considerei especial. Mas ela beijou outro garoto da escola, também e eu fiquei triste.

"Gostaria de tê-la sempre por perto, para amá-la e fazer ela feliz. Minha missão no futuro será essa: ter alguém para amar. Sei que não posso fazer todos felizes, mas pelo menos uma pessoa posso fazer feliz. E só ela me basta para eu também ser feliz". Terceira mensagem: "não quero que o trabalho faça comigo o que faz com o meu pai. Gostaria que nem tudo fosse dinheiro. Há coisas que o dinheiro não pode comprar e nem se precisa de dinheiro para tê-las. Tenho os melhores amigos do mundo e nenhum centavo no bolso. Jogamos bola, comemos frutas, estamos sempre juntos. E ninguém tira nada de ninguém. No futuro, só quero ter amigos assim". O autor da carta não consegue deixar de derramar uma lágrima. Agora, a expectativa de abrir a quarta carta, a do amigo falecido.

No envelope, apenas uma semente e um bilhete "semeiem a 33 metros". Nada mais. A carta dele havia sumido e esse era seu legado. E assim foi feito. Os três amigos, separados pelo tempo e reunidos pela morte do 4° amigo, resolveram plantar a semente e acordaram que a partir daquela data, reuniriam-se todos os anos. E, assim, acompanharam a germinação da semente, transformando-se em arbusto e erguendo-se para a vida, criando folhas e estendendo seus galhos para o sol. Viram a árvore servir de abrigo aos pássaros, sombra para os peregrinos. Também testemunharam sua imagem frondosa servir de moldura para o primeiro beijo de um casal.

Já se passavam muitas primaveras do dia em que a semente havia germinado. Os três amigos chimarreavam próximo da árvore e observavam os seus filhos brincarem sob a sua sombra e alimentando-se dos seus frutos. Uma das crianças percebe a ponta de uma caixa de ferro, levantada pelas grossas raízes. Trataria-se de um tesouro? Desenterram. Era uma caixa de ferro, igual a outra. Pais e filhos, curiosos com o conteúdo. Era a mensagem do amigo, enterrada a 33 metros do antigo pé de caqui. A sua mensagem para o futuro, nada mais que o trecho de um poema:

"Eis o segredo que ninguém sabe

Aqui está a raiz da raiz

O broto do broto e o céu do céu

de uma arvore chamada vida.."

Márcio Brasil
Enviado por Márcio Brasil em 11/04/2007
Código do texto: T445971
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