Sonho Meu
Perambulava sem eira e nem beira. Nada mais possuía na vida, a não ser minhas lembranças ofuscadas e a minha roupa surrada que vestia meu corpo cansado. De um pão fazia meu almoço, de um banco de praça minha cama. Era disso que minha vida era feita, era nisso que ela resultou.
Num desses dias , em que ainda não conhecia o lugar onde passava, encontrei-me, no crepúsculo da tarde, ouvindo as badaladas do sino da igreja anunciando a hora da Ave Maria. Maravilhei-me por estar numa praça adornada por flores, embevecia-me também pelo som que os pássaros graciosamente, emitiam. Aquele era um dos raros momentos em que meus olhos conseguiam enxergar beleza na vida.
Dei-me por feliz e conclui que a vida ainda nos oferecia belos lugares para o descanso. Dei algumas volta pela cidade, esperando que as horas passassem para que aquele lugar ficasse tranqüilo sem transeuntes. Estava ansioso para adormecer. Queria sonhar, pois meus sonhos quase sempre eram belos, triunfavam mesmo diante da minha realidade.
Já de madrugada, voltei à praça e lá me deitei. O cansaço amaciava o concreto do banco, assim como a fome recheou o pão que havia comido naquele dia. Apesar do cansaço , meus sonhos demoraram a me encontrar. Não fazia frio, era primavera e o jornal velho encontrado numa lixeira era o bastante para me proteger. Percebi que me faltava algo para elevar minha cabeça. Por sorte, encontrei um tijolo perdido de uma construção e, com cuidado, coloquei-o sob minha cabeça. Lembrei-me da passagem bíblica em que Jacó também fizera de uma pedra seu travesseiro. Essa reflexão para dormir e, finalmente, sonhar.
O sono veio a compensar-me por todo sacrifício que fora meu dia...
Tive um maravilhoso sonho. Sonhei que repousava num colchão de espumas, que meu travesseiro era feito de pena de ganso e que me cobria com um leve cobertor perfumado.
No repouso do meu sonho adormeci, tendo um maldito pesadelo. Nele, eu me encontrava dormindo num banco de cimento. Meu travesseiro era um tijolo umedecido pelo orvalho da noite e me cobria com folhas de jornais velhos, igualmente úmidas.
Graças ao meu bom Deus, despertei do pesadelo. Depois de refeito, ainda em meu sonho, na cama confortável, virei-me de lado para melhor acomodar meu corpo. Quando tentei ajeitar meu macio travesseiro, ele caiu no chão. Com o choque, bati a cabeça e acordei com uma enorme saliência nela. Vi o tijolo espatifado no chão e as folhas de jornais esvoaçadas pelo vento.
A madrugada virara dia, minha cabeça doía e também meu corpo estava dolorido. Apesar de acordado para minha inglória vida, sentia-me bem, sentia leveza em minha alma. Pelo menos no sonho, eu descansara com o conforto digno e merecido.