O desalmado
Não lembro que idade tinha, mas certamente eu não passava dos seis anos, não estava na escola ainda, quando me vi marcado por aquele episódio.
Estava de mãos dadas com minha mãe, quando passava pela praça central da cidade. Foi lá que tudo aconteceu. Primeiro escutei sons estridentes de horror, a princípio me pareceu choro de criança, logo em seguida identifiquei aquele som não como choro de criança, mas como um miado agonizante.
Tudo acontecia logo à minha frente, e à frente de muita gente, que só assistia. Minha mãe também parou, daí pude ver um homem de meia idade batendo num gato dentro de um saco, o coitado do bichano não podia nem colocar a cabeça para fora do saco. Quanto mais o gato gritava, miava, agonizava, mais o homem desalmado o maltratava. Fomos embora.
Minha mãe, durante aquele triste espetáculo, esboçou uma risada, nunca entendi aquele meio riso. Não falei nada, mas isso nunca me saiu da cabeça, pelo menos até o dia em que encontrei aquele mesmo homem. Eu já estava com trinta anos, ele agora era um velho. Pareceu-me até o mesmo saco de estopa, mais desfiado pelas traças do tempo e pelas garras do gato, é claro.
Novamente muita gente assistia. Perguntava-me como podia trazer graça para alguns, o que traumatiza outros. Não me controlei, aquilo estava engasgado havia mais de vinte anos. Fiquei impressionado por muito tempo, eu precisava tirar satisfação com aquele homem. Sem pedir licença, consegui me esquivar e atravessar entre as pessoas, olhei para o homem e falei quase gritando:
— Pare! Você não deveria fazer isso com o pobrezinho, eu só não lhe bato porque é um velho...
Assustado, ele soltou o saco no chão e falou:
— Calma, é só uma brincadeira, eu só quero vender meu apito, não tem gato nenhum aqui.
— Para a cabeça de uma criança de seis anos idade, sempre terá.