Rotina

Pusera-se de pé pela manhã. Tomado pelo frio, visava da janela o clima nublado estendido dos dias chuvosos. Não se surpreendera até então, tendo sua cidade as quatro estações no dia, como tinha o costume de dizer. Era até revigorante a sensação do tempo gélido alternando para um ligeiro sol ao meio-dia, porém incerto.

Cegado pela luz, vestira suas roupas, como de rotina. Um beijo em sua namorada e um acenar da rua para ela que desejava um bom dia, seguido de um "te amo".

"Atrasado!", pensara ele que seguia até sua casa tomar seu café puro, com pouco açúcar.

Um bom dia a sua mãe, o arremessar de bolinha de papel para sua gata, pusera seus fones e pôs-se rumo ao ponto de ônibus depois do último gole do café já morno seguido do cigarro apagado no cinzeiro.

"8:17h já?", Perguntava-se espantado. Esperava em silêncio o ônibus, ouvindo músicas aleatórias em seus fones. Via no semblante frio e obscuro de cada um ali na mesma situação que a sua. Pensara consigo: "esperamos e pensamos a mesma coisa, mas de formas distintas. Será que pensam como penso sobre o que eles pensam?". De fato, confundia-se entre suas futilidades, que tamanha irrelevância de seu pensar, a rotina por vir apagaria suas divagações.

"Qual o propósito disso tudo?", perguntava-se, sentado sobre sua mesa de trabalho. Por mais que quisesse crer em um propósito, pouco refletia sobre tudo. Tentara evitar pensar, visto que nada de produtivo traria se aprofundar em questionamentos sobre sua rotina. Mas a certeza do comodismo coletivo lhe incomodara de certa forma. Eram os mesmos passos, as mesmas relações entre colegas, a mesmas refeições, indiferentes das alternâncias dos restaurantes locais.

"Um boneco de plástico", dissera em um pensamento alto.

- Como?

- Não, nada, só pensava comigo mesmo. - respondia ao colega.

Via-se diante o mundo da mesma forma como enxergava-o. Bonecos de plásticos. Marionetes entre cordas. Programados desde berço ao convívio sistemático e rotineiro, longe de fugir de qualquer padrão estabelecido. Tentara, por vezes, por-se ao caminho contrário de suas ações cotidianas, tomado pela mesma dúvida: - Se faço diferente, também estou dentro dos padrões me tornando igual?! - perguntava-se.

Horas se passavam, entre pausas e cafezinhos, ia e voltava ao seu ambiente de trabalho. Atento a suas tarefas, preenchia sua mente com o vazio que tomara conta de seu peito. Fadado a estar ali, controlando, mas controlado. Sequência rotineira. Casa, trabalho, salário, casa.

"O que estou fazendo?"

Não há válvula de escape. Em pequenos hobbies, esboçava um sorriso amarelo, curto, que se apagava logo com os tormentos de sua cruz.

"Todos carregamos uma cruz, nos moldes estabelecidos pelos mesmos que já estão pregados a anos. Sangram sem dor, e transmitem e perpetuam a dor do qual sentem de forma que passemos a conviver com as mesmas dores, ao ponto de se habituar".

Era desconfortante pensar sobre o segmento do convívio harmonioso entre os seres. Falsa harmonia essa preenchida de inverdade sobre cabeças acomodadas. Jamais subestimara seu potencial questionamento. E sabia ele, em uma crença cega, que os demais pensavam tão igual quanto ele mesmo.

Não entendia direito o medo da fuga da zona de conforto. Mas dentro de si tinha a resposta: "questiono tanto quanto todos, mas nada faço. Porque fariam?"

Bonecos de plástico. Homens artificiais. Fadados a serem controlados, jamais estar no controle. Tomados apenas pelo egoísmo da autonomia. Mais uma crença cega como refúgio do fardo que carregam.

"De nada temos o controle."

Pegara o ônibus as 18:15h. Em pé no coletivo lotado, adaptou-se a um breve cochilo ancorado, seguido de um curto sonho.

"Como é bom ser imoral, inconsequente e independente".

Chegara em seu ponto. Um "click" ao acordar e sua mente tomada pela turbulência de pensamentos aleatórios sobre seus afazeres. Comer, banhar-se, dormir.

Segue a rotina. Com uma única verdade: "a vida é uma mentira."