A sabedoria do tio Ambrósio

Muitos anos antes de ganhar o epíteto de “tio”, Ambrósio foi um miúdo traquina que deu água pela barba aos pais. Em adolescente a coisa ainda se complicou mais, acabando por ser hóspede, por mais do que uma vez, numa casa de correcção.

Em adulto melhorou um pouco, mas desde mulherengo, beberolas, arruaceiro a sempre pronto a enganar o incauto com os seus esquemas, onde a burlice era uma constante, tudo isto fazia parte do seu currículo, sem dar mostras de mudar ou se arrepender. Tinha no entanto um certo respeito pelo padre José e pela Igreja. Todos os domingos vestia o chamado fatinho de ver a Deus e ia à missa, porém, ficava-se pelo adro a contemplar as moças que iam entrando.

Um dia, o padre José que nunca o via dentro do templo, saiu pela sacristia, surpreendendo Ambrósio a mandar um piroco grosseiro a uma fiel atrasada.

- Então, meu filho, é essa a tua devoção? Vá, vá, entra na casa do Senhor.

- Ainda tenho tempo senhor prior! Vá andando que eu já entro. – E fazia a menção de entrar, mas assim que via o padre virar costas, dava meia-volta direito à tasca do Azeiteiro para refrescar a goela.

Já quase com cinquenta anos nunca casara, perdera até a esperança de arranjar uma tola que o quisesse. No entanto, quis o destino que por altura das festas anuais Ambrósio se engraçasse por uma doceira de fora da terra e esta por ele. «Coitada!» - comentaram as pessoas. Mas o que é certo é que a coisa pegou de estaca, a ponto de o Ambrósio se transformar por completo.

A casa onde morava estava agora caiada e com um pequeno jardim à porta. Deixou de beber, nas rixas ele era um apaziguador e até aos domingos já não ficava no adro a ver passar o mulherio. Agora entrava e assistia devotamente a todos os sacramentos, de tal modo que o padre José o apontava como exemplo.

- Olhai para o tio Ambrósio e segui o seu exemplo!

Mas muita daquela gente que conhecia o tio Ambrósio há muito tempo, questionava-se perante tal reviravolta no comportamento do Ambrósio. Muitos diziam que era influência da esposa, a Dona Alzira, mas outros tantos duvidavam e não acreditavam que fosse possível alguém conseguir tal transformação. Contudo, a evidência falava por si, Ambrósio era cada vez mais devoto e passado quase duas décadas de ter casado, era apontado por todos como um homem de bem.

Um dia, após a missa, encontrava-se o tio Ambrósio no adro a trocar dois dedos de conversa com os seus conterrâneos, hábito antigo de uma forma de relacionamento que aproveitava a saída da missa onde todos se encontravam para discutir os problemas da semana que cada um entregue aos seus afazeres teria mais dificuldade de outra forma.

É no meio deste grupo que “tio” Ambrósio dava conselhos a um pai com problemas na educação do filho. Ambrósio, a par dos conselhos, exemplificava com os pecados da sua vida em novo. Até que alguém teve a coragem de fazer a pergunta que há tantos anos mortificava a todos de tanta curiosidade.

- Ó tio Ambrósio, olhando à sua vida passada o que é que o fez mudar tanto, a ponto de hoje ser apontado por todos como um exemplo a seguir? – Pergunta alguém.

- Os anos e a sua sabedoria. – Respondeu Ambrósio, com um sorriso.

- Não percebo?! – Comentou a mesma pessoa.

- Ora, é fácil de ver! Olhando à vida que eu levava e à idade que tinha, comecei a ter medo de morrer, tendo como certo o Inferno à minha espera. Então pensei, pensei… e concluí que era muito melhor prestar contas a Deus neste Mundo do que enfrentar o Diabo no outro.

Lorde
Enviado por Lorde em 21/08/2013
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