A inconveniência de cada dia(EC)
Voltando pra casa um dia desses, ao sair do serviço, deparei-me com uma pessoa que não me desceu. Eu nunca a vira antes, mas quando fiquei ao seu lado no metrô, era como se fossemos grandíssimas amigas. A mulher desatou a contar sobre sua vida, e eu, cansada e com dor de cabeça, desatei a assentir e sorrir um sorriso bobo. E ela falava sem parar, como falava!
Num certo momento da viagem, ela parecia estar falando mais alto. Acabei percebendo que ela me perguntava alguma coisa.
- O que foi? – perguntei meio abobada.
- E sua vida, como é? – ela perguntou.
Não sei se entendi direito, mas fiz questão de responder com um olhar seco. Já não bastava ela estar com o ‘’suvaco’’ pressionando o meu nariz, agora queria saber da minha vida. Isso porque eu nem a conhecia!
- Você tem filhos?
É, eu tenho, pensei. Pra não ficar mais chato, se é que isso era possível, assenti.
- Quantos?
Fiz o sinal de dois com os dedos.
- Homens ou mulheres ou um de cada.
- Um de cada. – murmurei entre dentes.
Vocês conseguem imaginar um sofrimento? Minha estação ainda estava há anos-luz. E parecia que a dela também.
- Quais os nomes deles?
Fiz que não ouvi.
- Quantos anos eles tem? Sabe, é só pra saber. Meu filho de quinze anos anda numa fase de rebeldia que só Deus!
É, o meu também, pensei.
- Seu menino gosta de meninas ou é um caso á parte?
Virei o rosto para encará-la, com o olhar tipo metralhadora. Que ousada!
Ela anuiu e ficou silenciosa pela primeira vez.
Depois de um momento de paz, ela perguntou:
- Você é casada?
Assenti.
- Faz tempo?
Assenti novamente, agora balançando a cabeça mais forte.
- E você já traiu?
Eu estava prestes á estourar, quando ela voltou a falar:
- Sabia que tem muita gente que adora cuidar da vida dos outros?
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Este texto faz parte do Exercício Criativo - Inconveniência
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