A VINGANÇA

Pela janela da prisão os primeiros raios de sol invadiam a cela e desenhavam a sombra de Vitório contra a parede. Deu alguns passos e a sombra não o acompanhou. Estava presa como ele. Virou-se repentinamente, tentando surpreendê-la. A sombra também se virou, desta vez ameaçadora. Ergueu o braço e então, obedientemente, a sombra lhe obedeceu. A sombra era como se fosse o delegado de polícia daquela pequena cidade; achava que tinha poderes ilimitados, mas não passava de uma sombra.

A vingança é doce como o mel, pensou. Queria prorrogar por mais algumas horas a sua prisão. Assim, poderia desfrutar do prazer de imaginar a situação do delegado depois que soubesse quem ele era.

Fora tratado como um reles bandido, chamado de vagabundo, pilantra e malandro. Ah! Delegado, se você soubesse...

Tudo começou quando Vitório resolveu comprar uma extensão de terra. Queria ter um sitiozinho para passar os finais de semana junto com a família. Escolheu a pequena cidade de Bocaiuva do Sul, distante 35 quilômetros da Capital dos paranaenses. O fato aconteceu lá pelos idos de 1950.

A cidade, embora pequena, tinha fama de violenta. Hoje, a fama é outra, mais pitoresca, principalmente pela criatividade do prefeito que ela teve há poucos anos atrás, que criou o primeiro ovniporto do mundo. É, é isto mesmo; um local para as naves espaciais pousarem. Mais criativo foi o decreto que ele baixou proibindo a venda de camisinhas na cidade como forma de incrementar a densidade demográfica do município.

Voltando ao assunto, Vitório estacionou o seu automóvel próximo do posto de gasolina e saiu caminhando pelas ruas da pequena cidade. Queria obter informações sobre a estrada onde se localizava as terras que estavam à venda. Entrou no boteco e antes de pedir informações resolveu tomar um guaraná para matar a sede. Mal havia despejado o restante da bebida no copo quando entraram dois policiais militares acompanhados por um sujeito de óculos ray-ban, jeitão de ator de pornochanchada. Levantou os olhos e quando pensou em cumprimentá-los recebeu em troca um olhar ameaçador.

- O que é vagabundo? Nunca me viu?

Vitório calou-se, baixou a cabeça e olhou para o copo cheio de guaraná.

- Ah! O pilantra tá tomando sua cachacinha. E assim falando, o cara do óculos ray-ban sacou do revolver enfiando o cano no copo mexendo o líquido com movimentos circulares.

- Bebe aí, malandro. Bebe com gosto de pólvora pra ver como é bom.

Sem alternativa, Vitório bebeu, fazendo uma careta.

- Não gostou não? Vai ver quem sou eu. Leva o sujeitinho para a delegacia, soldado. Coloca no xilindró. Vai ver o sol nascer quadrado para aprender a respeitar autoridade.

Vitório recostou-se na parede e sorriu. Estranho. Estava preso e curtindo sua prisão. Aquilo estava se tornando um divertimento, um jogo lúdico, uma oportunidade de vivenciar o outro lado.

O máximo que conseguiu foi fazer uma ligação telefônica. Comunicou a esposa de que estava preso e recomendou que ela não procurasse ninguém para soltá-lo.

Notícia ruim corre nas asas do vento e chega rápido. E foi o que aconteceu. O delegado ficou sabendo que Vitório, o preso, era... Juiz de Direito. Apavorou-se. Dessa vez ele havia mexido com a pessoa errada. Juiz de Direito? Meu Deus! O que foi que eu fiz?

Correu até a delegacia no intuito de soltar Vitório com a máxima rapidez possível.

- Excelência! Vim aqui lhe liberar.

- Desculpe, delegado, mas você não pode me liberar. Você não tem autoridade para dar liberdade a um juiz. Somente o Poder Judiciário tem competência para soltar-me. Portanto, dirija-se ao Juiz da Comarca se tiver a intenção de me liberar.

- Mas, Excelentíssimo, foi um engano. Eu não sabia que Vossa Excelência era juiz.

- Sinto muito delegado, mas como juiz tenho que respeitar a lei e não posso aceitar a sua gentil iniciativa de me liberar.

Vitório era tão íntegro, magnânimo e grandioso que deixou a vingança de lado. Aproveitou-se do episódio para dar uma lição no mal policial. E por incrível que pareça, viraram amigos.

Dizem que o policial nunca mais exorbitou de sua autoridade, mas isto já é assunto para um próximo relato.

A história é baseada em fatos reais. O juiz foi também professor de latim no Colégio Estadual do Paraná e eu fui seu aluno.