O valor de um ponteiro
Alguns diziam ser um cara solitário, nunca o viram na rua; outros especulavam que lá não morava ninguém e que o homem que havia alugado a casa, tinha o objetivo de guardar os fantasmas de sua família. Embora os vizinhos soubessem a meio tal história, não a contavam, esperando que o mito dos fantasmas fosse ainda menos trágica que a verdadeira.
A casa situada em um dos bairros interioranos,tinha cores neutras o portão e as janelas pintadas de dourado, não chamava muita atenção, exceto pelo fato de que ela era sempre a última morada de todo inquilino.
Apenas um homem morava ali, e tinha hábitos incomuns como ouvir clássicas melodias de Mozart ou Rossini e, deixar a luz do que parecia ser o quarto acesa durante a noite toda. Era tudo o que sabiam do futuro infeliz. Os boatos pela rua ficaram ainda mais desconexos e vagos quando, no meio da tarde, uma enfermeira adentrou os portões e, nos exatos quinze minutos que demorou, saiu chorando entre soluços. Um tipo diferente de se chorar, não como se fosse de emoção, de dor, de saudade, de pena ou nada parecido. Ninguém realmente esperava ter de aceitar assim, tão repentinamente o fato de que alguém morava naquele lugar.
No dia seguinte, uma das mais curiosas e supersticiosa das moradoras da ruazinha resolveu bater a porta da tal residência. Sua condição atual de dona de casa a permitia saber bastante da vida dos outros, embora fosse nem jovem nem velha tinha o semblante triste que deixava escapar, transparecida pelos olhos que a denunciava. Tinha os cabelos presos em um coque no alto da cabeça escondidos numa touca branca, e vestia roupas simples de um amarelo apagado e surrado.
Na quarta vez que batera no portão, desistiu e começou a crer que havia um cadáver lá dentro. Ela ouviu o pausar da música no segundo em que se virou com a intenção de ir embora; a porta abriu-se atrás dela e uma voz fraca e fina murmurou:__Bom dia!__Cambaleante em finalmente conhecer o misterioso morador, falou no instante em que viu o rosto pálido e a cabeça raspada do rapaz:
__Bom dia, sou sua vizinha e acho que ainda não nos conhecemos, meu nome é Eunice.
__Meu nome é Carlos. Não quer entrar?
Mesmo sabendo que não era certo entrar assim, seria uma oportunidade de saber um pouco mais sobre o mistério que martelava-lhe a mente. Por fim aceitou ao convite.
__Não vou demorar muito, tenho alguns deveres domésticos a fazer.__
Entrando na sala, se deu conta que mau tinha móveis, ao invés deles algumas pilhas de livros abarrotavam o cômodo. Havia apenas um sofá e um gramofone antigo apoiado em uma mesinha de madeira bem entalhada e escura; nas paredes assustadoramente centenas de relógios de todos os tipos e tamanhos.
__ Sente-se por favor, não repara na bagunça eu não costumo receber visitas.__ disse ele constrangido.
__Porque não? Você é tão jovem deve ter bastante amigos. E a sua família não vem?_
__Não tenho. Minha mãe morreu logo quando eu nasci. Meu pai morreu servindo como militar. Quanto aos amigos estão todos aqui nesta casa, estão sempre comigo e jamais me abandonariam. Estão em cada canto, em cada página, em cada nota musical. Os livros nunca foram tão necessários na minha vida.__
__Ah, sinto muito pelas suas perdas. A propósito, não tem medo da morte? Pergunto porque não deve saber sobre as coincidências das sucessivas tragédias que acontecem neste lugar não é?__
__Longe disso, sei sim. Sei também perfeitamente quando vou morrer.__
[...] continua.