O tempo é nosso

Nicolau, filho de portugueses e amante dos livros, passava com seu fusca vermelho todas as manhãs pelas ruas, gritando:“Queijinho, quem quer queijo?”. Já tinha alguns clientes fixos, que lhe pagavam muito bem, até.

No banco traseiro de seu carro, os mais variados tipos de queijos decoravam o ambiente, trazendo cheiro e cor. Minas, roquefort, gorgonzola, prato, brie, requeijão, cheddar, búfala, parmesão, mussarela. Também vendia goiabadas e doce de leite.

Sua mais nova aquisição fora uma tábua grande de madeira dobrável. Muitas vezes em grandes praças, montava-a para fazer degustações: separava-os por ordem de sabor, pois o mais suave até o mais incorporado.

Era sexta feira. Já havia percorrido 100 km naquela cidade. Entrara num vilarejo pequeno, mas muito bonito. As pessoas, sorrindo ao vê-lo passar anunciando seus produtos, ficavam maravilhadas. Quase nunca ( ou nunca, na verdade) tinham a chance de presenciar uma pessoa tão diferente ao que estavam acostumados. Seus olhos gastavam tempo reparando homens em bicicletas, mulheres de mãos dadas a pequenas crianças, velhos com suas sacolas e cachorros correndo. O novo era motivo de contemplação.

Nicolau, maravilhado com tanta hospitalidade, decidiu distribuir gratuitamente seus queijos. Mesmo perdendo um pouco do capital, seu coração mandava fazê-lo.

Colocou a toalha mais bonita para decorar sua tábua em forma de mesa. Sabia que o quanto mais impressionasse o povo, mais sorrisos sinceros brotariam de seus amigáveis rostos.

O sol reluzia no espelho de seu carro, batendo em seus grandes olhos azuis. Podia ver-se através, também, de suas lentes nos óculos. Acendera um cigarro enquanto encostava-se ao seu fusca a fim de esperar sua mais nova clientela.

“Queijinho, quem quer queijo? Venham experimentar uma nova sensação. Hoje, apenas hoje, ofereço-lhes a gratuidade de meus serviços!”

A novidade estava sendo um sucesso. Nunca vendera ( ou “vendera” ?) grandes quantidades. As pessoas deliciavam-se experimentando. Às vezes colocavam mais de um sabor na boca para tentarem sentir tudo ao mesmo tempo.

Uma menina de longas tranças observava a movimentação. Indignada, caminhou apressadamente. Pequenos fios soltos batiam em seu rosto, obrigando-a a levar os dedos para tirá-los. E, claro, cismavam em voltar. Ela, cada vez mais irritada, chegou perto de Nicolau, bufando:

- Por que fazes isto? Vai perder todo dinheiro de um dia de trabalho.

- Não me importo, menina. Olhe a felicidade no rosto de cada pessoa em volta. Nicolau fitava atentamente os belos olhos verdes junto com a brancura da pele.

- Não dizem que o trabalho edifica o homem? E junto vem o capital, certo? Não pode abrir mão, um dia precisará dele mais do que está pensando agora, sendo irracional.

- Sabe qual é o problema? Vocês, jovens, acham que necessitam de muito para viver. Tudo é muito. Muito é o que importa, sendo que na verdade não, não é. Ele gesticulava no ar, sem desviar a atenção.

- Então se não tenho nada estou sendo racional? E se eu roubar um queijo agora? Já que não é de graça? Estaria ainda sendo crime? Ela argumentava enquanto olhava toda diversidade, caminhando lentamente entre a mesa.

- Contente-se com o que você acha que o mundo pode lhe oferecer. Quem sou eu para julgar-lhe? Lembre-se de uma coisa: somos pequenos pontos nesse universo inteiro. O que podes me oferecer? “Tudo vale a pena se a alma não é pequena...” . Convidou-a a sentar-se no chão, onde pequenas pedrinhas cismavam em tocar seus dedos ao sentir a terra.

- Por quê? Ela, ainda de pé, com o sol lhe cegando aos poucos, relutava.

- O tempo é nosso. Venha. Estendeu sua velha mão para ela...

Mariana Rufato
Enviado por Mariana Rufato em 10/08/2013
Código do texto: T4428109
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