A Dona de Casa
Depois de muito trabalho e organização a casa estava como sempre a sonhou. Recém-casada, Maria, depois de uma deliciosa viagem de núpcias, iria pernoitar, com o seu António, pela primeira vez, ali. Estava tudo impecavelmente arrumado e limpo. Ele chegou, finalmente, mas ela não viu o brilho dos seus olhos nem percebeu a emoção da sua voz. Reparou mais nos sapatos, sujos de terra e pó e seguiu-o para ir limpando as marcas no encerado no átrio pedindo-lhe que não pisasse o tapete da sala. Nesse dia ele quase não falou ao almoço e tudo o que disse sobre a qualidade do bacalhau com natas foi-lhe arrancado com esforço. Este primeiro desencontro passou e a noite foi apaixonante. António era um homem pragmático e tudo o que fazia privilegiava o sentido prático das coisas. Arrumou, sem engraxar, os sapatos e deixou, abandonada no sofá, a pasta dos seus documentos. Ela ainda tentou não dizer nada mas, no momento seguinte, estava a gritar que não era escrava, que não tolerava desarrumações nem porcaria e, como complemento, debulhou-se em lágrimas fazendo tudo o que nenhum homem imagina como desejável numa esposa amada. António saiu sem responder e voltou tarde a cheirar a álcool. O clima ficou tenso e os ressentimentos passaram a fazer parte dos diálogos com os pais dela a interferirem nos seus assuntos e a congregar esforços para o “educar”. Passaram-se alguns anos de tolerância azeda, de recriminações e desespero, de reconciliações inúteis. Um dia, António não voltou do trabalho e telefonou para dizer que iria deixar de lhe sujar a casa. Saia para outra onde o importante era ele depois de tirar a roupa e a deixá-la onde calhava sem sustos nem problemas. Maria, sem juventude nem companhia, continua a dar muita atenção à ordem e asseio da sua casa embora, às vezes, já pense que seria bom ter quem a sujasse.