UMA AQUI OUTRA ALI
 
    
Algumas coisas não têm explicações, mormente quando se trata de sentimentos. Ontem, após a dentista, passei numa concessionária para olhar um carro. Saí sem haver decidido. E é raro que isto me aconteça. Mas.

Ao chegar à esquina da Bento com a Aparício, vi uns jovens, pintados, bixos, de copinhos descartáveis na mão, pedindo moedas.

O sinal fechou. Prontamente, abri a bolsa, tirei da carteira um punhado de moedas e aguardei. A moça loira, de rabo de cavalo, com tinta pelo corpo e roupas, aproximou-se. Ao ver que eu já estava de vidro aberto, sorriu e disse:

— Já vi que vai nos ajudar.

Quando olhou a quantidade de moedas, isto depois de me agradecer, gritou para os demais:

— Olhem! Ganhei um monte.

E se foi entre os carros, pedindo mais e dando gargalhadas.

Aqui é que entra a história de sentimentos. A emoção tomou-me. Tirou-me o controle. Pus-me a chorar. Tantas coisas passaram num relâmpago por minha mente atordoada. Tantas. Liguei o pisca para a direita e estacionei mais adiante, sem condições de enxergar direito. Um choro alto e fiasquento.  

Enquanto isto, algumas cenas rolaram: eu na faculdade, meu filho, minhas filhas, as formaturas. Mesmo assim, nada justificava o piti, o descontrole. Tirei o óculo, limpei, repus no lugar. Estremeci.

Na calçada, como se tivesse saído do nada, um anjo me olhava. Não aquele diáfano, cabelos encaracolados, asas translúcidas, olhos azuis. Não. Um menino, pés literalmente no chão, sujo, nariz escorrendo, pele escura, cabelos emaranhados, e uma latinha na mão esquerda. Refeita do choque de ver o pequeno a me olhar com um sorriso de candura, olhei para os lados. Um assalto, pensei. Mas ninguém por perto.

O garoto estendeu a mão com a latinha, ainda sorrindo, tão inocente, tão abandonado, tão...

Senti vontade de levá-lo para casa, dar um banho, colocar roupas limpas, beijá-lo. Nisto, uma mulher chamou-o e saiu pelo portão, assustada, ao ver um carro parado em frente ao filho. Fui tratando de sair, antes que chegasse perto, me visse e fizesse um escândalo.



 
MADAGLOR DE OLIVEIRA
Enviado por MADAGLOR DE OLIVEIRA em 05/08/2013
Código do texto: T4420962
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