O Artista Plástico

Quando a professora viu o primeiro desenho achou que, ali, havia um artista. As cores, as sombras, as proporções... Depois, estimulado pela família, continuou a desenhar e a pintar. Quando se cansou de representar casinhas e campos, moinhos e estradas, achou que era altura de se atualizar e passou a construir os seus trabalhos com muita riqueza de símbolos. Pintava botões de rosa para significar amor, mochos para traduzir sabedoria, cadeias partidas para a liberdade, cruzes para a fé. Toda a gente continuou a gostar, a perceber, a aplaudir mas também esta fase deixou insatisfeito o rapaz que, evoluindo em função do que via, do que lia, do que aprendeu a vivenciar, deixou-se de pintar rosas e ousou, no campo pictórico, escrever a palavra rosa. Foi uma guerra. A Avó já não sabia o que queria dizer por ser analfabeta, a tia disse que não percebia a letra e o código do antigo amor quase acabou à nascença. Acontece que o Pedrão, como carinhosamente era chamado por todos, desatou a substituir as imagens convencionais por equivalentes, pelos códigos dos códigos, por liberdades tais que, a seguir, já nem a palavra rosa figurava escorreita. Lia-se o R, ainda significante e, o autor, já falava em concessão estética. O amor era agora um R que correspondia à rosa que correspondia ao universo de valores românticos em que Pedrão tanto gostava de se envolver. Depois o Padrinho deixou de apoiar, a antiga professora achou que falhara na previsão do seu futuro, na família já ninguém queria, comprados ou oferecidos, os quadros e todos acharam que, sem aplausos nem vendas, Pedrão voltaria a ter juízo e a usar o talento para retratar, fielmente, o que via. Em vez disso surgiam telas onde só fragmentos do R apareciam. Com os restantes símbolos fez o mesmo e as obras, misteriosas, rítmicas, texturadas, abstratizadas, sóbrias e cada vez mais decantadas competiam na arte nacional. Um dia, Pedro Alenquer, O Pedrão, ganhou o Grande Prémio na Bienal de Paris. Voltou empenhado na arte mas triste. Como disse Nietzsche um dia, ele era como um diamante, único no brilho e na dureza mas, tal como a pedra preciosa, ficaria sempre inacessível às maiorias e isolado pela incapacidade de comunicar. Com efeito, já só poucos o entendiam.

Edgardo Xavier
Enviado por Edgardo Xavier em 04/08/2013
Reeditado em 05/08/2013
Código do texto: T4418965
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