ATENDENDO AO CELULAR NO TREM

Quatro horas da tarde. O Vagão do trem sem lugares vagos e com poucos passageiros de pé. Uma jovem, gentilmente oferece seu lugar a um senhor que havia entrado o qual, embora houvesse um assento destinado, iria ficar de pé pois lhe faltou coragem de reclamar seu direito. Outra jovem fingindo dormir o ocupava.

- Senhor, por favor – diz a jovem levantando-se e apontando para o assento..

(Uma alma se salva no céu – enquanto outra se fingindo adormecida ignorava que os anos passariam e que ela, certamente um dia iria se ver na mesma situação daquele senhor)

Ele senta-se. Ao seu lado o celular do homem com quem dividia agora o banco já que a "adormecida" levantara para descer. Toca:

Piririm, piririm, piririm, piririm

O sujeito mete e mão no bolso e o atende em voz alta:

- ALÔ, SIM,...O QUE!!? – depois de ouvir por uns segundos:

...TÁ MALUCA MULHER? - silêncio total, as atenções se concentram nele, até porque não poderia ser diferente, já que não se podia evitar ouvi-lo, ele segue:

- NÃO FAZ ISSO, NÃO. TÁ PENSANDO QUE MEU DINHEIRO É CAPIM PARA GASTAR EM SALÃO DE BELEZA? QUE IDEIA É ESSA DE FICAR LOURA COM ESSA SUA COR MORENA QUE EU GOSTO? MODA É O CACETE!!! – ele faz silêncio por um momento e logo:

- SE FIZER ESSA LOUCURA, QUANDO CHEGAR EMCASA, RAPO TUA CABEÇA – a essa altura já revoltado começa a gesticular usando os dedos como tesoura como se a mulher estivesse presente - risinhos abafados - o senhor ao seu lado com o rosto virado para a janela tenta segurar também o riso.

- E TEM MAIS, VAI TER QUE DAR CONTA DAQUELAS CINQUENTA PRATAS QUE SUMIRAM DA MINHA CARTEIRA ONTEM. VOCÊ TÁ PENSANDO QUE NÃO DEI POR FALTA? ERA IRMÃ GÊMEA DA OUTRA QUE TINHA ESCONDIDA ENROLADA NA CUECA.

Risos em geral, ele segue:

- O QUE? NÃO VAI FAZER A JANTA? TÚ QUER MORRER DESGRAÇADA? VIREI A NOITE NÃO ALMOCEI ESTOU CHEIO DE FOME E VOCE VEM DIZER QUE NÃO VAI TER NADA PARA COMER? – o tipo falava tão sério que os risos abafados silenciaram por um momento, ele continua depois de ouvir a réplica da esposa:

- NÃO TENHO MEDO DO TEU IRMÃO, NÃO. ELE É BANDIDO LÁ PRAS NEGAS DELE – o cara já estava vermelho como um tomate. O senhor ao seu lado já começava a lamentar haver escolhido fazer aquela viagem, somente para lembrar o tempo em que morava no subúrbio. A situação era engraçada, mas constrangedora:

- E VAI DESLIGANDO ESSE TELEFONE, POIS A LIGAÇÃO PARA CELULAR É CARA E A GRANA SAI DO BOLSO DO PAPAI AQUI. – silêncio novamente, e de repente ele levanta e grita:

- VAI VOCE SUA FILHA DA PUTA!!! – e desliga o celular, guarda-o no bolso, resfolega como um cavalo e diz para o senhor ao seu lado, ainda em voz alta:

- MULHER TEM É QUE SER TRATADA ASSIM – como dando uma satisfação geral para tudo que dissera, o senhor amedrontado com os olhos cheios d’água de tanto conter as risadas, embora não concordasse com nada do que ouvira, balança a cabeça afirmativamente.

Agora só o barulho das rodas do trem sobre os trilhos.

Isso não é um conto, é pura verdade. O senhor, sentado a seu lado era eu.

Jogon Santos
Enviado por Jogon Santos em 02/08/2013
Reeditado em 25/04/2019
Código do texto: T4416291
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