O quarto secreto.

Eu não me atrevia a entrar naquele cômodo escuro e constantemente fechado. Que segredos guardava? Que fantasmas o assombravam por dias, noites, anos?

Eu não sabia, não via e não podia, mas uma ponta de curiosidade me alfinetava toda vez que sentia o odor de mofo e de passado que saíam pelo buraco da fechadura.

Era um quarto na casa da minha avó. Um lugar onde ninguém entrava.

A porta marrom escondia coisas que eu sempre quis conhecer. Minha imaginação batia insistente e silenciosa, na madeira envelhecida. O que via era a escuridão. Espiava pelos vãos.

Ah! As imagens da infância... Com que facilidade e nitidez elas nos conduzem a lugares incríveis. Impenetráveis.

À noite, enroscada em meus cobertores que cheiravam a sono e sabão de coco, eu apurava os ouvidos em busca de algum som ou mesmo gemidos vindos do tal quarto. E... Silêncio. Um silêncio que zunia. Gritante! O silêncio aguça os sentidos.

Era sábado, a tarde espreguiçava. Sentada no sofá a folhear uma revista, dessas de fotonovela - as prediletas da vó Maria - eu vi um inseto repugnante sair daquele lugar, por debaixo da porta e atravessar a sala, desatento e rápido.

Como aquele minúsculo e indefeso ser poderia conviver tranquilamente com os monstros imaginários que habitavam o sombrio espaço?

Deixei-o ir sem alarde. Mais por pena que por nojo. Se minha avó o visse certamente atiraria seu chinelinho azul de crochê e seria um arremesso certeiro, sem dó nem erro, não importava a que distância. Ela era boa nisso!

Havia duas coisas que ela fazia com perfeição: matar insetos e pentear meus cabelos cacheados. Eu nunca sentia puxões nem dor.

Uma dúvida renitente: afinal de contas, por que ninguém entrava lá? Como toda criança curiosa eu formulava hipóteses, porém nada que pusesse fim ao mistério.

Em uma manhã fria de agosto – e naquele tempo fazia frio de verdade – acordei com o vento cantando por entre as frestas da janela e o arrastar de móveis misturados às vozes femininas.

De onde vinham aqueles sons? Do quarto! Estava aberto. Escancarado! Minha nossa! era a chance que esperava, talvez a única.

Saltei da cama e corri. O espaço entre os cômodos parecia uma eternidade, como aqueles sonhos em câmera lenta, quando você corre e não chega nunca...

Lá estavam as duas: a mãe e a avó a remexer os segredos, objetos e lembranças. Um guarda-roupa onde adormeciam os vestidos antigos feitos de seda pura; uma caixa de metal enferrujada e dentro, bem arrumadinhas estavam as fotografias. Eu vi meu avô que não cheguei a conhecer. Ele partira num domingo levando quase todos os móveis e a alegria da vovó.

A máquina de costura preta com letras e desenhos dourados, de onde saíam todos os meus vestidinhos de missa. Eu me vestia de retalhos de seda. A cômoda, com suas imensas gavetas e puxadores em madrepérola, guardava o estojo delicado, cuja esponja feita de plumas brancas espalhava nuvens finas e perfumadas de talco.

Pendurados no mancebo, um chapéu e duas sombrinhas desbotadas pelo tempo e, quem sabe, pelos dias ensolarados, quentes e juvenis.

Pilhas de revistas de fotonovelas – amores em branco e preto – esquecidos, sem cor. Amor envelhece junto com a gente, mas amor que é AMOR não morre antes. Não morre nunca!

Eu entrei e olhei tudo. Demoradamente. O sol entrava e iluminava a parede desbotada. Tudo estava alaranjado e claro. Não havia monstros nem fantasmas. O que havia era a vida guardada em caixas de papelão.

Depois dessa manhã, nem eu nem o quarto fomos mais os mesmos... Que saudades dos sonhos! Como era gostosa a casa da minha avó.

Mariacris
Enviado por Mariacris em 31/07/2013
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