ATRÁS DA GELADEIRA
ATRÁS DA GELADEIRA
Aquela minha velha mania de estender a tolha molhada atrás da geladeira, serve tanto para enxuga-la, como para irritar minha mulher. De fato, deve ser uma condição bastante incomoda, pelo menos para quem gosta das coisas perfeitamente acomodadas em seus devidos lugares. Tem-se algo para esquentar deve ser colocado próximo ao fogão até a hora de esquentar, se tem que ser escrito deve ser no papel ou no computador, e em cima da mesa, havendo alguma coisa que te embrulha as tripas prontamente deve ser expurgado. Coisas sentimentalistas, essas sim, são ou deveriam ser prioridade nos afazeres de qualquer mortal. Ao inverter a ordem mundial dos perfeitos (pessoas perfeitas) deve-se levar em consideração o mal que se pode trazer quebrando o protocolo.
Tem algumas pessoas que seriam incapazes de tirar os dois sapatos um após o outro, sem antes de retirar o segundo, retirar à meia. A falta de flexibilidade nestes seres por mais organizados que sejam, tornam-lhes indivíduos “cacofônicos pragmáticos” (expressão inventada por mim). Explico: Quando duas tarefas devem ser executadas seguidamente, mas isto possa por algum motivo causar algum contratempo, podemos executa-las de forma separadamente sem trazer qualquer prejuízo. É como se falar “MANDE MIJAR A COMIDA” ou “MANDE-ME JÁ A COMIDA”. Isto, para uma pessoa dita “normal” pode até ser fácil, porém, para um “cacofônico pragmático” é uma verdadeira esfinge, algo indecifrável, intransponível.
Num acesso de desorganização consciente, coloquei a passadeira da mesa de jantar no móvel da cozinha, os pratos lavados em cima do fogão, a comida do gato na vasilha da água, a água no comedouro, o sabonete no estojo da pasta e vice-versa, e o pior de tudo: a toalha molhada atrás da geladeira. Para algumas pessoas estas “desconstruções” não teriam a menor relevância, pelo contrário, mudaria o cenário cotidiano, descontrairia o ambiente com novas utilizações para as velhas coisas, uma nova configuração, um reaproveitamento visual.
Ela entrou em casa, parecendo não acreditar no que observava vagarosamente, uma a uma as coisas absurdamente fora de seus lugares. Pasmem. A coisa foi tão séria, que faltou oxigênio no cérebro dela (da minha mulher) para uma reação imediata, o sangue foi subindo devagar, suas bochechas roseando, seu corpo trêmulo começava a dar sinais de expansão e contração alternadamente, a respiração ofegava. Vai explodir. Quase não me contive de vontade de rir, mas foi necessário para dar um ar de seriedade naquele tamanho despautério. Que porra é essa? O que está acontecendo? Foi um terremoto? Um tsunami? Mordeu sua mãe na passagem? Não me aguentei, aquela verborragia acabara com parte do meu esforço de fazer uma cena convincente, para minha sorte. Ela foi soltando todo o verbo como que tem uma hemorragia ou uma crise de vômito, foram tantas palavras de ordem, tantas ordens sem palavras, apenas com um olhar de fuzil, que realmente eu tive medo de ela enfartar. Calma querida. Ponderei, num ficou mais bonito assim? Você tá maluco? Ou quer me enlouquecer? Passo o dia todo arrumando a casa, procurando as melhores posições, espanando, varrendo... Pra chegar aqui e vê meu trabalho jogado fora. Você vai arrumar tudo. Neste momento eu realmente não me segurei e cai na gargalhada. Minha experiência deu certo: comprovei minha teoria da “cacofonia pragmática”, experimentei sem pudor alguns absurdos (isso faz um bem danado), e dei umas boas risadas. Em contraponto, tive que arrumar tudo certinho nos seus lugares, e escutei um monte de desaforos. Mas confesso, nunca tive tanto prazer em arrumar uma casa como neste dia, foi um parque de diversões. Acho até que quando tiver alguma obrigação domestica, é melhor bagunçar tudo, chamar a mulher, vê-la se “desesperar” por motivo torpe, dando umas boas risadas, e só então arrumar tudo, assim fica bem mais leve. Espero também ter contribuído para aliviar os sintomas desta “disfunção” que hora comento, e de maneira saudável e divertida tenha também aprendido como ser arrasado com palavras e gestos, e não sobrar nenhum sentimento negativo, apenas uma boa piada CACOFÔNICA PRAGMÁTICA.
M. C. MEIRA 31/07/2013.