A fotografa
Num caminho de passos perdidos, apreciando a gota de mar, deparo-me com uma moça, descabelada, meio louca e aparentemente jovem. Ela estava tirando fotos, muitas fotos, resolvi puxar assunto, coisa que raramente faço:
-Bonito né?
-Oque?
-O mar.
-Assim, muito bonito.
Ela não me deu muita atenção, respondeu com poucas palavras e com voz baixinha de menina atrapalhada:
-O senhor sabe onde posso encontrar corujas?
-Como?
-Corujas, parece meio avoado.
-Estava pensando. Mas então, tem algumas perto casa.
-Preciso de fotos de corujas, muitas corujas.
-E para que seria essas fotos?
-Para nada, para mim, gosto de corujas.
-Bom então o terraço de casa lhe servirá bem.
-Mas o senhor não se importa de colocar uma estranha em sua casa?
-Não, oque uma jovem fotografa pode fazer com um senhor simpático beirando os 70?
-Não sei, coisas, muitas coisas.
-Se isso me fizer bem eu não me importo.
-Então tudo bem.
-É aqui pertinho, mas as corujas só aparecem mais tarde, agora só oque você conseguirá fotografar são as ondinhas quebrando-se na areia. Mas pode ficar fazendo hora lá em casa.
-Se o senhor não se importa.
-Claro que não me importo, mas então vamos?
-Vamos.
Caminhamos em silêncio, ela tudo reparava, a textura da areia, o biquíni das senhoras, o tamanho das ondas, a altura dos coqueiros, a quantidade de carros, as cores dos cabelos dos surfistas caiçaras e até as linhas de meu velho rosto. Teve uma hora que ela parou de andar, alisou minha sobrancelha grisalha e sorrio, depois continuou a caminhar. Para cada passo, um suspiro, coisa de passarinha doente fora do ninho:
-Chegamos.
-Ótimo, andar em linha reta me irrita, fico entediada, o bonito da vida são as curvas, do rosto, da rua, do corpo e assim vai.
-Você é engraçada, me faz pensar na vida, aproposito, você tem nome?
-Todos nós temos nomes ou rótulos, meu rótulo é Augusta foi escolhido por meu pai em homenagem a minha vó, meu nome é Cravina este fui eu que me dei, pegou bem na roda de amigos bêbados, mas meu pai ainda me chama de Augusta., E você, qual seu nome ou rótulo?
-Meu nome é meu rótulo, carrego a mesma cruz do batismo, o mesmo nome por quase 70 anos, meu nome é Nestor Zarco, mas todo mundo me chama de só de Zarco mesmo.
-Nomes bonitos.
-Vai subindo Cravina, que eu vou arrumar alguma coisa para tomarmos, sobe a escada e vira esquerda, chegando no quarto é só abrir as portar de vidro.
-Tudo bem, acho que eu consigo.
-Qualquer coisa é só gritar.
-Ok.
Continuo achando que ela não é muito certa das ideias, mas gosto assim, é uma loucura atraente, diferente de minha ex-mulher que era louca por doença não por charme. Mas mesmo com problemas mentais sinto falta dela:
-Estava me sentindo só, então resolvi descer, quer ajuda?
-Não obrigado, só preciso pegar os copos e a garrafa de conhaque.
-Então me deixa pelo menos levar os copos.
-Tudo bem, vai levando que eu já subo.
-Certo!
Ela não gosta muito de esperar, mal fiquei só com meus puros pensamentos e ela já veio me procurar, ou é inquieta ou é carente, seja oque for é melhor eu subir logo:
-Pronto, aqui estou.
-Enrolado.
-Deixa de manha, eu nem demorei tanto, posso te servir?
-Por favor.
-Aqui está.
-Obrigada.
-Já fotografou alguma coruja?
-Só uma, que por descuido pousou em seu parapeito.
-E ela era bonita?
-Sim era cinza e de olhos grandes, tirei muitas fotos dela.
-Logo mais aparece outras.
-Mas este logo mais está demorando muito.
-E menina mimada.
-Não é mimo, é tédio, se eu ficar quieta eu sufoco, oque acha de uma brincadeira?
-Pode ser divertido, do que se trata a tal brincadeira?
-Bom, primeiro eu preciso saber se seu ventilador de teto funciona.
-Sim, funciona muito bem, quer que eu ligue-o?
-Agora não, vai tirando a roupa enquanto eu ajeito a câmera.
-Tirar a roupa para quê?
-Para eu te fotografar ué.
-Nu?
-Sim, nu.
-Como quiser.
Fui tirando meus panos, meio acanhado e avermelhado, Cravina estava com um sorriso insanos nos rosados lábios, cutucando a câmera, arrumando as lentes:
-Pronto.
-Ótimo, só preciso posicionar a câmera no ventilador está tudo certo.
-E você, não vai ficar nua?
-Sim, mas não agora, vai forrando o chão com algum pano, tente forrar embaixo do ventilador, quero uma coisa bem centralizada.
-Tudo bem.
Sem entender fiz oque foi pedido, Cravina estava feliz então estava tudo bem.
-Acabei, está tudo forrado.
-Ficou bom, agora deite-se, em alguns instantes a câmera via disparar, não se assuste com as luzes.
-Tá mais e você?
-Eu vou me despir.
-Quer ajuda?
-Não preciso, continue deitado.
Fiquei lá, deitado olhando Cravina, um corpo cheio de sardas e tatuagens e uma calcinha branca com pequenos corações que logo foi largada no chão:
-Pronto.
-Você é muito bonita Cravina.
-Obrigada, mas olhe para câmera.
-Ok.
Ela ligou o ventilador e se deitou, ficamos lá olhando para o teto, á cada giro um disparo de luz e cada disparo um toque de mãos de menina doce e insana.