Uma Outra Chance
Era uma criança estranha, sombria até eu diria. Gostava de ficar sozinho, ao contrário de todas as outras que convivia tão raramente às vezes.
Nunca foi destaque nos esportes, no teatro nem em comportamento na escola. “É uma criança quieta, parada.” Dizia sempre a professora nas reuniões. “Gosta de ficar sozinha, num canto. É estranho não acha?” finalizava ela, sempre com essa interrogação.
“Mesmo quando está do lado de alguém, ele não parece estar. É como se estivesse em outro universo, algo paralelo à este que a gente vive.” Dizia alguns colegas dele na adolescência.
A verdade, é que ele nunca pertenceu à este mundo. Nas noites de sábado, enquanto a irmã se maquiava e vestia-se ousadamente esperando atrair a atenção dos garotos, Pedro ficava no quarto, lendo, escutando música, como se fosse a maior diversão do mundo.
“Tô ficando preocupado com esse menino Rosângela. Será que é isso que eu estou pensando mesmo?” Perguntou certa vez Francisco, meu marido, num tom de desconfiança.
“Ah querido, ele é quieto, só isso. Deixe ele ser assim. Não está incomodando ninguém, está?”
A verdade é que estava me incomodando e muito por dentro. Não sabia o que fazer. A irmã era típica adolescente comum: queria ter a autoridade e liberdade que não tinha condições de assumir. Queria sair a noite e chegar no outro dia. Dormia nas aulas, mas nunca ficava de recuperação. Típica, não me dava muito trabalho.
Agora Pedro era diferente, não sabia lidar com ele, não sabia o que fazer. “Será que eu devo conversar com ele?” Perguntei certa vez a minha terapeuta. “E o que você está esperando? Converse.” “Mas eu tenho medo. Medo do que eu posso ouvir. Não sei se estou preparada.” E então me fechava em dúvidas e empurrava mais uma vez a decisão de procurar saber quem era o meu filho, de fato.
Um dia chegou em casa acompanhado de uma amigo da escola. Fiquei surpresa e até contente. Enfim ele estava se socializando né! Bati na porta várias vezes perguntando se precisavam de alguma coisa e ele sempre respondia que não, que estavam bem e que se quisessem não me incomodaria. “O que esse rapaz ta aprontando no quarto com aquele outro rapaz Rosângela? Já foi ver isso?” Perguntou Francisco num tom reprovador. “Eu já olhei Francisco. Ta tudo bem.”
Estava tudo bem nada. Como aquele menino de uma hora para outra traz alguém para dentro de casa e se enfia no quarto e não saem nem para lanchar?
Quando dei por mim, os dois saíram juntos do quarto dizendo que iriam na pracinha do bairro fazer um lanche na barraca do Zé. Fiquei tensa e ao olhar para Francisco, senti o mesmo no olhar dele. “Quer que o seu pai vá te buscar depois meu filho?” Perguntei. “Mas mãe, são duas quadras de casa, pra quê?” Saiu rindo fechando a porta da sala.
Então fingi que não me importava com o que ele pudesse fazer na rua com aquele outro rapaz e o que eu pudesse vir à ouvir depois das pessoas no dia seguinte e fui atrás dos dois, sem que eles percebessem.
Enquanto eles sentavam-se em uma mesa da barraca do Zé, eu tentava não balançar os galhos de árvore da qual me escondia por trás. Foi quando eu vi os dois se acariciando na perna! Meu Deus! Tinha vizinhos passando! O que eu iria dizer à Francisco? Meu filho, de 17 anos acariciando um outro rapaz numa barraca de lanches aqui no bairro? Que vergonha meu Deus, eu não mereço! Saí da árvore que estava escondida e sem olhar para nada, cega de raiva não vi o carro vindo aceleradamente da rodovia e sem que eu pudesse ao menos pensar, fui jogada para cima do carro batendo o quadril, quebrando os braços e as pernas.
Nunca vou esquecer este dia. Hoje estou aqui dizendo para essa moça que cuida de mim, que o preconceito me atropelou e me deixou tetraplégica e que se eu pudesse abraçar o meu filho hoje abraçaria ele muito forte pois ele é um homem decente, ao contrário do que eu, com o meu preconceito ridículo, imaginava.
Queria poder andar, correr e ir ao supermercado e fazer aquele almoço de família e não posso. O preconceito me tirou os movimentos, por pouco quase não perdi minha vida, pois fui levada à pressas ao hospital e fui perfeitamente atendida pelo médico de plantão que também era homoafetivo, que nem o meu filho, mas que a enfermeira fez questão de me dizer na maca que eu estava em ótimas mãos, apesar do médico ser gay, como se isso fosse doença.
Bom, eu também pensava assim..