Cada gênio com a sua lâmpada
Sexta-feira, quatro horas da tarde. Lá estava ele no café, esperando o fim daquela tarde interminável e o início do final de semana. Pelo menos a companhia era agradável. Um outro gênio da lâmpada, que também acabou indo para a capital, vestir-se em roupas sociais todos os dias para juntar um dinheiro razoável e começar uma vida melhor na cidade dos gênios, no interior do estado. Seu companheiro era de Lâmpada Rubra, um vilarejo de aparência avermelhada próximo à cidade de Cor-douro, onde ele nascera e para onde pretendia voltar após este período em um escritório de engenharia na capital. Como sempre, os dois falavam mal da capital, do pessoal do escritório, de como eram competitivos, de como queriam puxar o tapete uns dos outros, e nem eram tapetes mágicos. Difícil entender os motivos daquele comportamento. A vida nas cidades dos gênios era diferente, as pessoas eram diferentes, mas não só por serem gênios, o lado humano era bem mais aflorado do que na capital, assim eles diziam. Talvez por isso aquele desejo de nunca deixar um humano pisar nas terras dos gênios. Mas no mundo moderno até um gênio precisa pagar suas contas. Um gênio possui diversos poderes em forma de arte arcana, mas deve ter muito cuidado ao utilizá-los. Um gênio deve sempre cuidar muito bem de sua lâmpada, não deixando-a cair em mãos erradas. Uma vez esfregada a lâmpada, o gênio se torna escravo de quem a esfregou até que se cumpra o terceiro desejo. Os desejos são realizados através de pontos espirituais de magia e de genialidade, como eles os chamam, pontos estes que são acumulados perante tarefas que os gênios desempenham para seus deuses e que devem ser bem administrados para nunca faltar. Estes pontos se tornam maiores conforme o gênio ganha experiência, aumentando o poder de seus feitos para seus amos. Um gênio sem pontos de mana e/ou genialidade é obrigado usar de certos tipos de sacrifício para conceder o desejo, se este estiver ao seu alcance. Se um pedido não estiver ao alcance do gênio, ele deve ficar com o amo até que tenha capacidade de realizar o desejo ou até que o desejo seja retirado pelo amo e substituído por outro. É dever do gênio divertir seu amo enquanto é seu escravo. E como esta tarefa pode ser difícil na capital. Retornando à sua mesa, exaurido do prazer em falar mal daquela vida que eles levavam, o gênio começa a arrumar sua mochila para ir embora, e ops... onde está sua lâmpada? Nem a invocação de deuses, palavrões, tapas na própria face fizeram a lâmpada aparecer. Por sorte ele tinha uma quantidade considerável de pontos de espiritualidade e poderia gastar alguns para enviar um feitiço localizar lâmpada. No banheiro ele disse as palavras mágicas e pôde visualizar sua lâmpada. Avenida paulista. Se movendo. Se movendo? De novo não. Não é possível. A torcida para aquele ser não esfregar a lâmpada. E era mais um daqueles. Jovem, terno e gravata e olhar arrogante. Certamente um daqueles estagiários de direito. Da última vez os pedidos variaram entre ‘uma mulher que o pessoal do trabalho achasse bonita’, ‘um emprego que meu pai se orgulhasse’ e ‘ser chefe do meu chefe’, com tudo no mundo para pedir. “Realmente eu não pertenço a este lugar”, pensava ele. E era tarde, começou a virar fumaça, sinal de que a lâmpada havia sido esfregada. “Maldito espartano”, foram suas últimas palavras antes de aparecer na rua Augusta...