Andropausa
Uma manhã, quando me estiquei na cama, estalaram os ossos como se eu fosse um bode velho. Foi o começo de um processo que ainda se arrasta. Menos agilidade, menos resistência a esforços, a visão a exigir que esticasse os papéis para poder ler as letras que se esfumavam ao perto. Eu, um homem maduro, moderno, vaidoso ainda nesse ano comemorei, dançando, o meu 45º aniversário. Cansei-me muito mais e senti que outra fase menos interessante se aproximava. Já não apreciava tanto a liberdade de ir, vir e estar na noite mas ainda cumpria, como companhia agradável, uma noite de luxúria. O pior disto era a terrível sensação de vazio, o desinteresse pelo trabalho, lágrimas abundantes sem razão aparente. Ficava horas parado a olhar, sem ver, a rua, o horizonte, a multidão que desfilava do outro lado dos vidros. As rosas do crochet das cortinas eram o primeiro plano de tudo o que olhava sentado à secretária. Sentia-me só mas não tinha paciência para escutar ninguém. Ameaçado pelo médico deixei de fumar e de beber. Engordei e fui-me adaptando ao novo peso, aos gestos mais lentos, ao trabalho mais organizado. Passaram mais quinze anos. A Empresa transformou-se, rescindi o contrato e fiquei livre de pressões, de trabalhos detestáveis, de compromissos. A antiga depressão é, hoje, uma vaga recordação. Agora trabalho só no que quero e quando quero. Recuperei muito do que estava perdido e sou um tipo animado. Aprendi que posso dar atenção, tal como o Manoel de Barros, a coisas mínimas que enchem a minha vida atual. Escrevo poesias, invento histórias, vivo por dentro das minhas personagens e, por vezes, peço-te um tempo extra de silêncio. E tu entendes que preciso de preparar o que te lerei à hora do acerto do dia, quando ficamos só nós dois e o tempo de mãos dadas.