Catalepsia

Estou imóvel. Há muito os limos invadiram a lousa em que, deitado, arrefeço. A água goteja do teto e respinga para a pouca roupa que despi. Húmido, o quarto é um espaço vazio onde o silêncio se interrompe cada vez que voa um moscardo ou os pingos castanhos da água batem no chão carcomido. Estou vivo mas incapaz de mover-me. Observo. Penso. Grito. Tudo sem ação, sem força, sem sucesso. O pensamento, também ele amolecido, impede-me de chegar ao limite da sala decadente. Presumo que ali esteja há muito tempo. As ausências pesam sempre eternidades nos corações abandonados. Concentro-me no movimento da mão direita e, depois, num dedo apenas. Tenho de mexe-lo antes da necrópsia ou jorrará a minha vida aos primeiros golpes do escalpe inicial. Quando a equipa finalmente chega reúno forças, vontade, desespero e tento, em vão, mexer o dedo previamente escolhido. A seguir, sentindo já o gesto apurado para o primeiro corte consigo, no minuto derradeiro, abrir os olhos. Voltou o terror, soou o grito, acordei. Soube sempre que, para evitar pesadelos, nunca deveria adormecer sobre o lado direito. Estendi o braço. Estavas lá.

Edgardo Xavier
Enviado por Edgardo Xavier em 05/07/2013
Reeditado em 30/04/2015
Código do texto: T4373075
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