Amor definitivo
 

 

 

Quatro horas esperando junto ao muro, a chuva caia fina e o meu guarda-chuva protegia parcialmente os livros que carregava, a gente andava devagar na fila um suplicio que só gente pobre passa, eu fui o eleito da família para ficar na fila, meu pai tinha muito o que fazer(salvar a família), minha mãe estava cozinhando, meu irmão era muito novo, o objetivo: retirada uma parte FGTS,, a chuva acabou com a pequena mercearia do meu pai, de onde tirávamos o sustento, assim é a vida, um murro na cara toda manhã e uma brisa no final da tarde.

Ela estava duas pessoas atrás, tinha cabelos negros e uma pele branca, magra(definitivamente), estava de roupa de ginastica, um chinelo de dedo, gesticulava e sorria e estava muito mais impaciente(tinha falado uns quatro palavrões), em um golpe de sorte me aproximei dela.

Sem mais, sem menos ela falou comigo, já que não parava de olhar para ela(sempre quando cruzávamos os olhares ela sorria).

-Seu pai que mandou ficar nessa tortura, não é? - disse de surpresa, eu não esperava que ela falasse comigo, então a resposta inicial foi apenas um sorriso – quatro horas esperando nessa merda de chuva, teu pai te odeia?

-Legado do mais velho – disse sorrindo, na minha mão esquerda o livro de histologia, onde apertei os dedos – filho mais velho é o odiado pelo pai, pai que se presa gosta do filho mais novo.

-Nem é tão velho assim – falou e me olhou da ponta da cabeça ao pé.

-Tenho vinte e dois.

-Estuda biologia? - perguntou olhando o meu livro.

-Medicina, segundo semestre – disse passando a mão nas poucas gotas que atingiram o velho livro de histologia.

-Federal? - parecia conversar com palavras únicas, abria um sorriso perfeito em cada uma delas.

-Hurum – disse sem me gabar.

-Inteligente, tentei a federal um monte de vezes – disse e olhou para trás como se esperasse alguém – não tive nem inteligencia, nem sorte.

Um silencio caiu, a chuva martelava a minha cabeça com gotas pesadas, sempre fui muito tímido e a beleza dela estava magnetizando o meu olhar, depois de um grande esforço perguntei.

-Você ainda esta tentando?

-Não – disse e balançou a cabeça – engravidei de um idiota, agora tenho que cuidar da minha filha – ela riu – estou em direção bem diferente de você, cuido da minha própria casa, estou aqui por mim mesmo a água destruiu o meu barraco e levou tudo.

Não sabia o que dizer, fiquei calado até um senhor de uniforme distribuir uma senha para o outro dia, cada um pegou a sua e depois descemos a rua, ela ia na frente, deu para ver a tatuagem nas costas perto da linha da cintura: uma rosa.

-Quer uma carona? - disse sem ter certeza das palavras, jovem é inseguro diante de quem realmente importa, meu chevette foi presente do meu avô quando passei no vestibular.

-Seria ótimo – disse sorrindo – trabalho no Bobs á noite, tenho que levar a minha filha até a babá – disse e corrigiu – minha sobrinha que toma conta dela, não é bem uma babá ela só tem quinze anos, mas é o que tenho pra hoje.

Meu coração estava disparado, a voz rouca o perfume e a aparência dela havia me desnorteado, já não me sentia dentro do meu corpo, andei devagar para que o tempo passasse lento dentro do carro no caminho do bairro humilde em que ela morava, em dias comuns, com medo nem entraria naquele bairro, porém me sentia o super-homem e aquele definitivamente não era um dia comum, ela havia me dominado roubou a minha alma com um simples sorriso.

-Qual Bobs? - disse logo que chegamos a casa dela.

-Que eu trabalho?Do shopping, sou uma especie de gerente – desceu do carro – olha você foi muito gente boa, mas preciso ir – anotou em um pedaço de papel um telefone – se quiser pode me ligar.

Passei toda a noite olhando para aquele papel, minha namorada Carla havia ligado duas vezes, uma eu não atendi, na outra disse que estava estudando, senti que não amei Carla, nunca senti nada por ela, um buraco na minha existência, minha namorada foi uma desculpa para o sexo sem interesse e um tapa leve na solidão, aquela menina pobre, mãe solteira e que trabalhava no Bobs havia me tirado do trilho, precisava falar com ela, precisava vê-la, sentir aquele perfume, liguei pela manhã e marquei um encontro depois da prova.

Escutei uma musica que marcaria o momento, um nó na garganta que não era de choro, um desespero, senti medo, não consegui estudar para a prova, acabei fazendo uma prova ridícula. Foi uma merda, logo eu que tirava as melhores notas.

Carla se aproximou depois da prova.

-Que houve, está me evitando? - disse de uma vez, cabelos castanhos e belos olhos azuis, bonita, educada, perfeita para o casamento, todo mundo amava Carla na turma, popular, ela foi uma especie de proteção para que o resto da turma rica me aceitasse,.

-Não, apenas não estou legal essa semana – disse andando rápido.

-Espera – disse ríspida – Luiz, tem uma semana que não fala comigo, em uma semana me oferece uma aliança, na outra não fala comigo, o que é? Você é louco? – ela tinha lagrimas nos olhos – levei você na minha casa, fiz os meus pais te aceitarem, você sabe muito bem que meu pai nem queria ouvir falar no seu nome? Queimei o meu filme com a minha família inteira por você, pois era o cara que eu amava e agora você vira as costas para mim assim,e diz:”não estou legal” pronto.

-Não virei as costas Carla, que merda é essa , quer saber – algo em mim havia transformado, o pacato Luiz em outro Luiz, mais arrojado, era como se Carla fosse um câncer e eu havia achado a cura – estou cagando para o puto do seu pai, desembargador de merda. O cara se acha o dono do mundo, dizem que juiz pensa que é Deus e desembargador tem certeza, não é o ditado – disse gritando – sempre tenho que entrar e sair da merda da sua casa com a cabeça baixa, eles não me aceitaram, não se engana Carla. A sua família aceitou você com problema(eu), como uma doença e um dia eles vão achar a cura.

Carla tinha a cara da indignação(parte ela tinha razão, pois eu havia exagerado, o desembargador era gente boa, não tinha bronca com Carla, a verdade é que eu só pensava na Lúcia).

Olhou nos meus olhos, foi firme, mordia o lábio inferior, havia raiva, uma mulher bonita não gosta de ser desprezada, rica e inteligente, o partido que todo mundo sonhou, todos falavam que eu havia ganhado na loteria (um “zé ninguém” e a princesa filha do desembargador).

No fundo eu sabia que não estava utilizando a razão para promover aquele dialogo, algo mais irracional tomou conto de mim.

-Puto é você Luiz Eduardo – ela tirou a ridícula aliança de compromisso que havia comprado na semana anterior e jogou na minha cara, saiu correndo, deu para ver entrar no Corola e sair arrancando o carro, sentei na cantina para raciocinar, dois minutos depois Henrique sentou do meu lado.

-Brigou com a Carla? - disse me importunando, outro filhinho de papai que estudava na universidade federal, dizia que era meu amigo, nana verdade era louco por Carla.

-Ta livre – falei cravando meu olhos vermelhos de noite não dormida em Henrique.

-Que que foi? Somos amigo, está falando assim comigo por que?

-Amigo o quê!Você esta querendo saber se terminei com Carla – eu disse e levantei da mesa – terminei, corre vai consolar a filhinha do desembargador.

Paguei a conta, deixei a cantina sem ouvir as palavras de Henrique, peguei o chevette e fui direto para o shopping, tinha pouco dinheiro, deixei o carro do lado de fora e entrei quando vi Lúcia fiquei feliz.

-Você veio – tinha ligado antes e ela nem acreditou, marcamos para aquela tarde.

Quando a beijei a primeira vez senti a diferença entre ela e Carla, o quanto havia me equivocado.

-Conseguiu o dinheiro do FGTS? - perguntei.

-Saiu sim, vou comprar um sofá novo, imagina?– ela desconversava quando o assunto era grana – e você como foi na prova?

-Estava pensando em você né? Aí me lasquei, mas recupero – ela sorriu sem graça.

Pegou um sorvete no Bobs e entregou para mim.

-Por conta da casa.

Os meus dias verdadeiros começavam

Não foi um conto de fadas, muita coisa deu errado, minha vida explodiu de problemas, meu pai teve um ataque cardíaco e deixei de estudar para tocar o mercadinho, Carla apareceu no enterro do meu pai, com a cara de :”tá vendo, disse que deveria ficar comigo”.

-Seu Mário grande homem– disse Carla – uma pessoa descente, e você como vai?

-Tirando a morte do meu pai. - disse com ironia - tranquei a faculdade , ajudando a família– Lúcia se aproximou e me abraçou, ainda tinha um ciúme de Carla, nem sei porque.

-Visitando os pobres?– disse Lúcia.

-Lúcia, vim porque gostava muito do pai de Luiz, quero ajudar, pelo jeito não precisam, então já vou embora.

-Já vai tarde – gritou Lúcia para todo mundo ouvir, estava me acostumando com aquela impertinencia

A filha do desembargador era a conhecida neurologista dona de hospital, queria que eu fosse trabalhar com ela, eu e Lúcia achamos melhor não, não é bom misturar serpentes com gatos.

Carla sempre andou por perto, quis me ajudar, consegui me formar sete anos depois, de alguma forma Lúcia foi responsável pela minha formatura, tinha garra e animo e não me deixava parado, Alessandra, sua filha, me chamava de pai, crescemos todos juntos na periferia, lutando constantemente, pode parecer mentira, ilusão de otário, nunca, nunca aquela sensação de desespero e a dor no peito me deixou, quando Lúcia tirava a roupa tudo fazia sentido.

POR : JJ DE SOUZA - MUSICA DE FUNDO SITE DO ESCRITOR: 
John Paul-Love is in the Air.mp3

JJ DE SOUZA
Enviado por JJ DE SOUZA em 04/07/2013
Reeditado em 09/09/2013
Código do texto: T4372094
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2013. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.