Acasos
Afagou o cão e dividiu com ele a comida que tinha. Depois, desviou-se do caminho e, deitados ambos na pedra quente do sol, adormeceram. Dormir ameniza os problemas das pessoas e dos bichos. Vipo, o cão, limitou-se a rosnar mansinho um sonho de convívio agreste com cães estranhos e Quadrapo, o homem, iniciou um voo rasante por toda a planície. Quando acordaram ia a tarde adiantada e percebia-se, no caminho, o movimento dos operários regressando a casa, os primeiros faróis dos carros na estrada e o piscar longínquo das estrelas. Era Lua Nova. Ela prometera aparecer por ali mas provavelmente pensara melhor e desistira da conversa. Ficava, assim, sem efeito o convite que lhe fizera para trabalhar nas suas terras, dormir no quarto de hóspedes, iniciar uma vida menos tumultuada ganhando pouco mas tendo segurança. Tinha pena sobretudo por se ter encantado com o primeiro encontro quando lhe ofereceu a mesa para ela tomar café. Fora uma conversa longa, intuitiva, sincera mas que acabou sem que nada de concreto ficasse a saber sobre ela. Remetidos os acertos e pormenores para o novo encontro, a mulher, madura como ele, ainda muito bela, determinada e positiva, não aparecera. Quadrapo ainda voltou, em vão, ao lugar combinado, tomou café na mesma esplanada, vestiu a mesma roupa e levou o cão para que ela não tivesse dúvidas sobre ele. Depois… esqueceu-a e deixou que tudo piorasse na sua vida. Hoje, porém, alguma coisa o trouxe ali. Quando se sentou ela apareceu com o pé engessado e uma venda no rosto. “Tive um acidente e estive algumas semanas no Hospital. Como não tinha o seu contacto, não pude avisá-lo. Ainda precisa do emprego?”. Claro que sim, ele precisava do emprego, do quarto e, sobretudo, dela. Quando se olharam perceberam que o dia seria memorável.