Dona
Mãos suaves que tocam os talheres em espuma - enquanto a água da torneira desce revelando dedos alongados e trêmulos - antebraço esguio e delicado. Cintura fina que gira sobre quadris largos e angulosos, sustentados por belas pernas roliças e musculosas. Pés que revelam caminhos por onde Joana andou durante os seus quarenta anos bem vividos.
Sim. Nenhuma marca do tempo, a não ser os calcanhares pouco ressequidos. Nenhum sinal de velhice, senão os olhos pouco entristecidos.
Joana é mulher bonita, se cuida, mas seus caminhos são muitos. Assim como seus pés são um reflexo de seus problemas, seus olhos são o retrato de sua alma. Mulher que tudo vê, tudo sente. Ela é a doçura do mel. Mulher que viveu muito intensamente desde jovem, quando foi abandonada pelos pais. Deus sabe por quê.
Joana aprendeu com a vida. Aprendeu a amar, aprendeu a odiar; a desconfiar. Hoje ela ensina a viver, a amar; desconfiando sempre de quem não ama, de quem não vive.
Depois da batalha pela vida na grande cidade, e do sucesso na batalha, ela resolveu que o interior seria boa opção de vida calma e regular. Pouca gente e muito ar, além de rios, pássaros e a amizade das pessoas.
Ela é toda alegria. Nem o precoce diagnóstico de um médico da capital, convencendo-lhe de sua esterilidade, foi capaz de apagar o seu sorriso. Ela sorri muito, sorri alto e ritmado. Seu sorriso tem certa magia e parece que seu corpo é todo boca.
Antes dos trinta andava pelo interior, de cidade em cidade. Amava pouco, com receio e dormia de cama em cama. Agora que conhece um pouco da vida, que ama muito e sem reservas, ela resolveu criar raízes. Raízes profundas como as da mangueira e raízes superficiais como as de macaxeira. Negócios, alguns aluguéis, o barzinho, Tião, algumas amigas.
A vida parece dura para quem é mole e Ana achou, por bem, que é melhor rir do que chorar. Sendo assim, ela luta por si mesma junto com os outros e luta por outros que lutam junto consigo.
Ainda que Ana fosse o que queria ter sido, mesmo que não sofresse o que ela tem sofrido, em momento algum de sua vida ela se arrependeria do que tem vivido. Também não deixaria de viver pelo que tem sonhado. Ela é experiente o bastante para saber que a vida e o sonho caminham juntos, assim como sofrimento e aprendizado. Ela sabe por que sofre e sofre porque sabe. Ela vive.